7 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

No STF, em despedida da PGR, Dodge critica vozes contra democracia

Ministro Celso de Mello afirmou que o Ministério Público não deve servir aos interesses dos governantes e que só autoritários e corruptos temem um MP independente

Em discurso que marcou sua última sessão no STF (Supremo Tribunal Federal) à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República), nesta quinta-feira (12), a procuradora-geral Raquel Dodge afirmou que “no Brasil e no mundo” surgem vozes contrárias à democracia e pediu que a sociedade e o Judiciário estejam alerta a pressões contra o regime democrático.

Dodge deixa o cargo na próxima terça-feira (17), quando completa os dois anos de mandato à frente da Procuradoria. Ela foi indicada ao cargo pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2017, e preterida pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) que decidiu não reconduzi-la a um segundo mandato.

Na sessão, Dodge foi homenageada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, e por Celso de Mello, ministro mais antigo do tribunal. Bolsonaro decidiu indicar o subprocurador Augusto Aras para o cargo. Aras ainda precisará passar por sabatina no Senado para assumir o cargo.

Defesa do Ministério Público

A procuradora-geral defendeu a atuação do Ministério Público na defesa de direitos das minorias sociais e afirmou que cabe à instituição atuar no STF para a garantia desses direitos.

“Permaneçam atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia liberal, vez que, no Brasil e no mundo, surgem vozes contrárias ao regime de leis, ao respeito aos direitos fundamentais e ao meio ambiente sadio também para as futuras gerações. Neste cenário, é grave a responsabilidade do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal, seja para acionar o sistema de freios e contrapesos, seja para manter leis válidas perante a Constituição, seja para proteger o direito e a segurança de todos, seja para defender minorias trazendo os casos a esta Corte, porque, como acaba de assinalar o seu ministro presidente, o Supremo precisa ser acionado para que possa decidir”. Raquel Dodge, procuradora-geral da PGR.

O ministro Celso de Mello afirmou que o Ministério Público não deve servir aos interesses dos governantes e que apenas governos autoritários e corruptos temem um MP independente.

“O Ministério Público também não deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja, ou o instrumento de concretização de práticas ofensivas aos direitos básicos das minorias. Sabemos todos que regimes autocráticos, que governantes ímprobos, que cidadãos corruptos e que autoridades impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática temem um Ministério Público independente”. Celso de Mello, ministro do STF.

O ministro Dias Toffoli também defendeu a independência na atuação da PGR:

“Sem um Ministério Público forte e independente na defesa dos direitos e das liberdades das pessoas e no combate à corrupção, os valores democráticos e republicanos propugnados na Constituição de 1988 estariam permanentemente ameaçados”. Dias Toffoli, presidente do STF.

Bolsonaro

Nem Dodge nem Celso de Mello fizeram referência direta ao presidente Jair Bolsonaro. Mas as falas chegam num momento em que Bolsonaro foi criticado por membros do Ministério Público Federal por ter ignorado a lista tríplice da categoria na escolha de Aras e também por suas declarações de que estava buscando um procurador-geral “alinhado” com seu governo.

O presidente Jair Bolsonaro tem se notabilizado pela defesa de regimes ditatoriais, como o implantado no Brasil pelo Golpe Militar de 1964, e por declarações contrárias ao direitos de minorias sociais, como os direitos LGBT.

Ele tem dito, por exemplo, que “família é homem e mulher” porque isso estaria escrito na Bíblia. A afirmação contraria julgamento do próprio STF que reconheceu, em 2011, que os casais homossexuais têm os mesmos direitos que a legislação brasileira estabelece para os casais heterossexuais.

Durante a fase de escolha do indicado à PGR, Bolsonaro afirmou que não queria no posto um “xiita” em temas ambientais e buscava um nome que não defendesse a chamada “ideologia de gênero”.

“Se eu botar um cara para combater à corrupção que é favorável à ideologia de gênero, fim da família e essas patifarias todas que estão ai, eu não vou fazer isso”. Jair Bolsonaro, presidente.