23 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Cultura

Simplesmente Jorge: o poeta em debate na academia

No fundo, é mais um tributo dos intelectuais alagoanos a um dos maiores poetas brasileiros

Por Tereza Pereira

Os vários tons do poeta Jorge de Lima: Fotos Tereza Pereira

A Academia Alagoana de Letras (AAL), por meio do seu presidente, engenheiro e escritor, Rostand Lanverly, realiza nesta quarta-feira, 7 de junho, às 9h:30, em continuação a homenagem aos 130 anos do nosso poeta Jorge Mateus de Lima (1893-1953), na Casa Jorge de Lima, praça Sinimbú, centro de Maceió, a palestra “Simplesmente Jorge”, trazendo professores doutores: Milton Rosendo, Gilda Vilela e José Niraldo de Farias, representando a literatura local, especialistas, estudantes e público interessado, estarão participando. Os especialistas da obra de nosso grande poeta convidados especiais contarão suas linhas de pesquisa sobre o estilo, composição poética, função subjetiva, cognitiva e as influências trazidas por nosso poeta alagoano.

Na linha do tempo, nos deparamos com o início, ano de 1893, são 130 anos do nascimento de nosso poeta, nascido em União dos Palmares, sua terra natal, localizada na região Serrana dos Quilombos e região que pertence a bacia do Mundaú, em Alagoas

. A infância de Jorge de Lima teve como cenário importantes elementos, que motivaram seus famosos poemas. Do sobrado em que morava quando criança, avistava a Serra da Barriga, em que foi fundado o maior quilombo, símbolo de resistência contra a escravidão no Brasil. Mesmo com a confortável condição econômica de seus pais, o menino Jorge sempre esteve atento ao seu entorno, o meio ambiente, as inundações que ocorriam na cidade, a população, a desigualdade social, todas as temáticas presentes em sua grandiosa obra literária estão inseridas em seu modo de ver. Na sua pré-adolescência foi junto com seus pais e irmãos morar em Maceió. Em 1907 seus poemas começam a aparecer em jornais locais. Em 1908 organiza-se para residir em Salvador e em seguida ingressar na Faculdade de Medicina, curso que conclui no Rio de Janeiro, 1914.

Da juventude à maturidade, o casamento com Ádila Alves de Lima, seus filhos Mario Jorge e Maria Tereza, uma diversidade de ofícios cotidianos, médico, professor, biógrafo, ensaísta, tradutor brasileiro, pintor, trabalho de colagem, fotomontagem, deputado estadual em Alagoas e vereador no Rio de Janeiro. Poeta de temáticas múltiplas, romancista, mas acompanhado de sua vivência, denominado um polígrafo, mantendo sempre seu olhar Poético. A temática social, místico-religioso, poema épico com subjetividade, elemento onírico e surrealismo. Recebeu em 1940, o “Grande Prêmio da Poesia”, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Candidatou-se diversas vezes para ocupar uma cadeira na ABL, mas não conseguiu. Quando foi escolhido para receber o Prêmio Nobel de Literatura de 1958, não foi entregue, pois faleceu no Rio de Janeiro, em 1953.

José Niraldo de Farias, professor e doutor em Literatura Latino Americana, um dos palestrantes desta quarta-feira, na Casa Jorge de Lima, considera Invenção de Orfeu a obra mais representativa de Jorge de Lima. Publicado em 1952, um ano antes de sua morte, é consagrado por críticos como um dos grandes poemas da língua portuguesa, tem uma característica épica, guardando a nossa brasilidade. A complexidade da sua obra repleta de metáforas vai do regional para o universal, explora um universo múltiplo, imagético e melódico, tem uma profunda riqueza lírica e humana. A alma humana do poeta, alma poética, encontra-se com a dimensão humana. Entre os escritores que mais apoiaram nosso poeta, destacam-se Afrânio Peixoto e Murilo Mendes, considerou o palestrante.

Dividido em Cantos, a obra Invenção de Orfeu: Erudita e de vanguarda

 

Canto IV:  As Aparições

                                                                “ Um monstro flui nesse poema

                                                                Feito de úmido sal-gema”.

                                                               “Qual um fagote inúmero a ave aquática

                                                               Com uma ostreira de teclas submarinas,

                                                               Os sons encachoeirados estrugindo

                                                               Pelos goles das águas empoladas”.

                                                             (Invenção de Orfeu – Jorge de Lima).

Canto VII: Audição de Orfeu

…  “Palavras ancestrais,

previmos que eram chaves,

e fomos nada mais,

que puros arrastados.

O vento é sempre um ser

que nos entreabe as asas…”

Praticamente todo o conjunto da obra literária de Jorge de Lima tem uma temática social. Em seus depoimentos o poeta costumava ressaltar que entre os seus romances, Calunga por exemplo, 1935, que foi eleito melhor romance do ano pela Revista Americana, é uma das obras, muito lembrada pelo autor. As composições literárias do poeta, têm abordagens muito próprias, como no livro Poemas Negros, lançado originariamente em 1947, traz além das questões sociais, desigualdade, temática do racismo e da injustiça social.

                                                              Em Calunga:

… “Seguia em zigue-zague pelo caminho abandonado invadido pelas águas da lagoa, ladeado dos mangues enormes. Caminhava aos tombos. Seu corpo fugia adiante de si. E ele seguia atrás do corpo…”

…” Os pés do homem continuavam plac-plac e as mãos sempre na frente, crispadas como querendo estrangular a visão de si próprio”.

(Romance Calunga – Jorge de Lima).

A religiosidade africana, em Poemas Negros e a busca constante pelo divino, a reconciliação com Cristo fez de Jorge de Lima – de acordo com as afirmações do escritor Murilo Mendes, uma das personalidades de particular riqueza e generosidade.  A luta com o Anjo é uma representação, segundo Murilo Mendes, de que sua obra reveste sinais de sua libertação.

“Quantas vezes, ao entrar na sua casa ou no seu consultório, me comovi” – afirmara Murilo Mendes. E considera que muitos poemas poderiam ser adaptados a atos dramáticos. “O aspecto monumental desta obra resulta da explosão de um temperamento destinado a representar múltiplos papéis”, comentários de Murilo Mendes.

Jorge de Lima imprime em sua obra também sua memória familiar, como no poema Candeeiro Familiar, do Livro de Sonetos.

Nas noites da minha meninice

                                                                      Existe um grande candeeiro amigo

                                                                      que sobre a vasta mesa de jantar

                                                                      ilumina meu serão antigo.

                                                                      … O candeeiro era a lanterna mágica    

                                                                      Que me fazia na parede branca

                                                                      O homem grande que eu queria ser

                                                                      E de quem sou uma sombra, apenas uma sombra”.

                                                                     (Candeeiro familiar – Jorge de Lima)

 

A memória de sua infância no poema “O mundo do menino impossível”.

 

                                            … “O menino impossível que destruiu os brinquedos perfeitos

                                                 Que os vovôs lhe deram:

                                                 O urso de Nürnberg…

                                                 Que destruiu

                                                 até os soldados de chumbo de Moscou…

                                                 brinca com sabugos de milho,

                                                 caixas vazias, tacos de pau,

                                                 pedrinhas brancas do rio…”

A obra poética de Jorge de Lima inspira várias gerações, em especial profissionais das Artes.  Washington Da Anunciação –  professor mestre em Artes Cênicas, relembra uma das experiências mais marcantes de sua trajetória como ser humano e estudioso, durante o período de 2017 a 2018, Cartografias poéticas – Tributo a Jorge de Lima. Nessa época participou de diversos momentos do ètudes coletivo, que teve a direção geral de Carla Antonello, professora do curso de Arte Dramática da Escola Técnica de Arte, coordenadora do Laboratório de Estudo e Pesquisa de Processos de Encenação (LEPPE).

Dos poemas de Jorge de Lima que mais marcam sua memória, recorda Washington Da Anunciação, é “O Acendedor de Lampiões”. A respeito da imersão da obra de nossa grande poeta, diz “foi com muito entusiasmo que fotografei, como em alguns momentos fiz assistência de direção, produção, trabalhei com os cuidados com sonoplastia e todos os envolvimentos da produção cênica”, esse trabalho teve momentos muito marcantes, afirma Washington. Que teve como base os elementos de Constantin Stanislavisk, em que a construção do trabalho fazia o tempo todo, dentro de uma proposta coletiva de uma especial leitura da obra do nosso poeta. Um belíssimo trabalho produzido pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) e do Programa de Iniciação Artística (Proinart) da UFAL. Estudantes do Curso de Artes, da licenciatura de Dança, coreógrafo, iluminador, com a participação de sonoplasta e cenotécnico envolvidos.

O Tributo a Jorge de Lima (Cartografias poéticas) teve muitas apresentações em 2019, incluindo Maceió e União dos Palmares. Para Washington e para todos os que participaram do Projeto em homenagem a obra de nosso importantíssimo poeta. Esses trabalhos costumam ser gratificantes e assim como a diretora Carla Antonello, um resultado de muita pesquisa e de muita dedicação, mas a população também agradece.