29 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

TCU suspende repasses do governo Bolsonaro para kits robótica ligados a Lira

Tribunal também indica interrupção de novos acordos para compra de equipamentos de empresa ligada ao presidente do Congresso

O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que o governo Jair Bolsonaro (PL) suspenda repasses de dinheiro do MEC (Ministério da Educação) para compra de kits de robótica.

A pasta deve também interromper celebração de novos termos de compromisso com prefeituras para esse fim, especialmente da empresa ligada ao presidente do Congresso, Arthur Lira.

Leia mais: MEC beneficia aliados de Lira com R$ 26 milhões em kit de robótica para escolas sem água ou PC

A decisão cautelar do ministro Walton Alencar foi tomada após as revelações sobre repasses de dinheiro federal que priorizaram prefeituras com contratos com uma mesma empresa, a Megalic.

Os donos têm ligação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controla a distribuição de parte das bilionárias emendas de relator do Orçamento, fonte do dinheiro para robótica.

Kits de robótica foram destinados para escolas de pequenas cidades de Alagoas, muitas das quais não possuem salas de aula, computadores, internet ou mesmo água água encanada.

O governo Jair Bolsonaro (PL) destinou R$ 26 milhões de recursos do MEC (Ministério da Educação) para essas compras somente nesse ano, sendo que 68% de todos esse investimento foi sete municípios alagoanos, como revelado pela Agência A Pública.

Em todo ano passado, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) pagou apenas R$ 2,4 milhões para a compra de kits de robótica.

Curiosamente, todos os municípios têm contratos com uma mesma empresa de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lira é o presidente do Congresso, aliado do presidente Jair Bolsonaro e tido como líder do centrão. Lira ainda é o responsável por controlar em Brasília a distribuição de parte das bilionárias emendas de relator do Orçamento.

O FNDE é controlado pelo centrão —o presidente do fundo, Marcelo Lopes da Ponte, era chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil de Bolsonaro, aliado de Lira. Os dois comandam o PP, legenda que dá sustentação ao governo.

Barros, Bolsonaro, Ciro Nogueira e Arthur Lira: o Centrão no comando

Alagoas

Cada kit foi adquirido pelas prefeituras por R$ 14 mil, valor muito superior ao praticado no mercado e ao de produtos de ponta de nível internacional.

Somente a cidade de Canapi, 254 km distante de Maceió, recebeu R$ 5,4 milhões para a compra de 330 kits, ou mais de R$ 700 por aluno matriculado. A cidade tem 35 escolas, nenhuma com laboratório de ciências e mais da metade não conta com internet.

Em povoados, há escolas com pátio de chão batido, alunos de séries diferentes estudando na mesma sala e falta água encanada – é preciso usar um balde para dar a descarga dos banheiros.

Já em de Santana do Mundaú, os R$ 4,5 milhões recebidos pelo FNDE para a compra de robôs equivale a um gasto de R$ 1.473 por aluno. Mas os alunos não têm acesso a computadores, essencial para o uso dos robôs.

A liberação dos recursos federais para a compra de kits de robótica foi rápida, com empenhos em dezembro e, nos outros, entre agosto e outubro. O dinheiro foi depositado para os municípios entre fevereiro e março.

O empenho é a primeira etapa da execução orçamentária e reserva o recurso para determinada ação. Há cidades que aguardam há mais de dois anos a liberação de recursos já empenhados: Aporá (BA), por exemplo, espera do FNDE desde fevereiro de 2020 parcela de R$ 7,9 milhões para finalizar uma obra de creche e pré-escola.

Outro lado

O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse não ter envolvimento com contratação de empresas pelos municípios, que não solicitou aceleração de liberações e os processos obedecem a critérios técnicos do FNDE.

Em 28 de março o ministro Milton Ribeiro foi exonerado após vir à tona a existência de um balcão de negócios na pasta, com participação de pastores evangélicos sem vínculo oficial com o poder público e acusações de cobrança de propina até em barra de ouro.

A empresa fornecedora dos kits de robótica para as escolas de Alagoas é a Megalic, que funciona em uma casa no bairro de Jatiuca, em Maceió, com capital social de R$ 1 milhão. E empresa é intermediária, não produz kits de robótica.

Os registros da Megalic indicam atuação em diversas áreas, de materiais de limpeza a instrumentos médicos. A Megalic está em nome de Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (PSD).

A informação da relação de Lira com os donos da empresa contratada pelas prefeituras de Alagoas foi revelada pela Agência Pública. O vereador e o presidente da Câmara foram os responsáveis por levar integrantes do FNDE e o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, a um encontro com prefeituras em Maceió em novembro passado.

O vereador disse não ter relação com os negócios do pai e negou ter tido negociações com Lira. “Não faço solicitações para robótica, ou uso do meu cargo para isso, justamente porque seria imoral”, disse.

O prefeito de Limoeiro de Anadia (AL), Marlan Ferreira, é também presidente da Conagreste (Consórcio Intermunicipal do Agreste Alagoano). As cidades de União dos Palmares e Barra de Santo Antonio aderiram a uma ata de registro realizada pelo consórcio.

Os outros municípios aderiram à ata realizada por Canapi. Ambas têm os mesmos moldes, com a Megalic como fornecedora, e preveem os mesmos valores para a aquisição dos robôs.

Os R$ 14 mil por cada kit são bem mais altos do que o praticado no mercado. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, comprou 1.634 kits em 2017 da marca Dual System por R$ 2.226,24 cada um.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse, em nota, que não tem envolvimento com contratação de empresas pelos municípios. Ele afirmou que, além de não ter solicitado aceleração de liberações, esses processos obedecem a critérios técnicos objetivos definidos pelo próprio FNDE.

Também em nota a Megalic afirmou que a atuação da empresa é exclusivamente comercial, sem cunho político. O vereador João Catunda negou relação com a empresa de seu pai em qualquer negociação política. “A gente não mistura a parte empresarial com política”, disse.