2 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Exílio após ameaças: Mourão diz que Wyllys foi “genérico” na reclamação

Em carta destinada aos colegas de partido, o ex-deputado diz que resolveu desistir do novo mandato e deixar o Brasil diante do silêncio do Estado brasileiro, especialmente da Polícia Federal

Questionado sobre Jean Wyllys, deputado federal do PSOL e reeleito nas eleições de 2018, que sucumbiu às ameaças de morte e fugiu do país para preservar a vida, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse nesta sexta-feira (25) que os relatos dele foram forma genérica e que somente o parlamentar sabe dos problemas sofridos.

Dizendo não estar “na chuteira do Jean Wyllys”, o vice-presidente disse que só o ex-deputado saberia qual é “o grau confusão que ele está metido”. Apesar disso, o vice ressaltou que ameaças a parlamentares são crimes contra a democracia.

“Eu acho que quem ameaça parlamentar está cometendo um crime contra a democracia, porque uma das coisas mais importantes é você ter sua opinião e ter liberdade para expressar sua opinião. Os parlamentares estão ali eleitos pelo voto, representam os cidadãos que votaram nele. Quer você goste, quer você não goste das ideias do cara, você ouve. Se gostou, bate palma. Se não gostou, paciência.” General Hamilton Mourão, presidente interino do Brasil.

Para o vice-presidente, não se deve comemorar que um parlamentar da oposição ao governo desistiu do mandato, pois outro deputado contrário ao governo irá assumir a vaga. Deputados eleitos, aliados ao presidente, como Alexandre Frota (PSL-SP), fizeram piada com a decisão.

Carlos Bolsonaro também comemorava o exílio do deputado Jean Wyllys.

O presidente fez o mesmo.

Não suficiente, apoiadores do presidente nas redes sociais relacionaram a decisão do deputado do PSOL a uma suposta ligação com a investigação sobre o atentado ocorrido durante a campanha eleitoral. O próprio presidente, Jair Bolsonaro, iniciou o dia ligando o homem que o esfaqueou ao PSOL, mesmo partido de Jean Wyllys.

Carta de despedida

Em carta destinada aos colegas de partido, o ex-deputado diz que resolveu desistir do novo mandato e deixar o Brasil devido, entre outros fatores, ao silêncio do Estado brasileiro, especialmente da Polícia Federal, em relação às ameaças que vinha sofrendo e às denúncias que fazia. Confira na íntegra:

“À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade – PSol

Queridas companheiras e queridos companheiros,

Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.

Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.

Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.

Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.

Não deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.

Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.

Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.

Esta semana, em que tive convicção de que não poderia – para minha saúde física e emocional e de minha família – continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.

Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.

Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.

Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.

Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!

Jean Wyllys

23 de janeiro de 2019”

Exílio

Seria o terceiro mandato consecutivo de Jean Wyllys (PSOL-RJ) como deputado federal. Mas ele não assumirá em 2019: eleito com 24.295 votos, ele, que está fora do país, revelou que não pretende voltar ao Brasil.

A morte da colega Marielle Franco no ano passado e as constantes ameaças de morte pesaram e em seu Twitter, o ex-deputado foi criticado por correligionários de Bolsonaro, mas em maioria recebeu mensagens de apoio, diante desta grave situação: é um parlamentar que foge do país para não morrer.

Desde o assassinato da vereadora, em março do ano passado, Wyllys vive sob escolta policial. Também foi levada em conta as recentes informações de que familiares de um ex-PM suspeito de chefiar milícia investigada pela morte de Marielle trabalharam para o senador eleito Flávio Bolsonaro durante seu mandato como deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

“Me apavora saber que o filho do presidente contratou no seu gabinete a esposa e a mãe do sicário. O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim”. Jean Wyllys, ex-deputado federal e exilado fora do Brasil.