24 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Folha: Médicos em Manaus estão matando pacientes com nebulização de cloroquina em maternidade

Cinco pacientes morreram, incluindo um bebê prematuro, em tratamento experimental defendido por Bolsonaro

Em fevereiro, uma paciente do IMDL (Instituto da Mulher e Maternidade Dona Lindu), hospital público estadual em Manaus, viralizou ao aparecer sorridente recebendo nebulização de cloroquina.

Na realidade, na UTI, Jucicleia de Sousa Lira, 33, apenas piorava e perdia a luta contra a Covid-19. Ela morreu 27 dias após o nascimento do filho único.

Enquanto a causa da morte oficial foi ‘infecção generalizada em decorrência da Covid-19’, a responsável por viralizar o tratamento foi a ginecologista e obstetra paulistana Michelle Chechter, que atua em Manaus com o marido, o também médico Gustavo Maximiliano Dutra,

Segundo a Folha, a Dra. Chechter fez a paciente assinar um termpo autorizando uma “técnica experimental nebuhcq líquido, desenvolvida pelo dr. Zelenko”. E teria autorizado ainda o uso do depoimento gravado na UTI e o relato do caso em uma revista científica.

O “protocolo” adotado em Manaus foi criado pelo médico ucraniano-americano Vladimir Zelenko, que ficou famoso quando o então presidente dos EUA, Donald Trump, defendeu o uso da cloroquina. E isso se repetiu no Brasil, com o fã de Trump, Jair Bolsonaro.

“Nunca vi isso. Não sabemos quantos pacientes foram utilizados, não há termo de consentimento nem comitê ético. É até mau gosto chamar de estudo. Trata-se de um experimento mengeliano”.

A alusão aos experimentos letais no campo de concentração de Auschwitz, feitos pelo nazista Josef Mengele, foi dito por Francisco Ivanildo de Oliveira, gerente médico do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo.

Bebê entre os mortos

Além de Jucicleia, apenas outra paciente, também puérpera, assinou a autorização para uso de nebulização. Ela sobreviveu, mas só recebeu alta quase dois meses após ter passado pelo procedimento.

Pelo menos outras três pacientes receberam nebulização mesmo sem terem autorizado. Todas morreram. Uma delas teria sido Ingrid Chaves, 32, internada com Covid-19 quando estava grávida de cinco meses. Ela deu entrada no IMDL em 10 de fevereiro.

Nesse período, a médica entregou comprimidos nas mãos dessa familiar e a orientou a dar pessoalmente a hidroxicloroquina, sob a alegação de que outros médicos poderiam retirá-la do prontuário, procedimento ilegal no país, pois o medicamento de uma pessoa internada só pode ser fornecido pelo hospital.

Para convencer a família, Chechter disse que a hidroxicloroquina tinha o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que, por causa disso, sofria oposição política.

Chaves entrou na UTI. A família não sabe se ela recebeu a nebulização após a transferência. Em 26 de fevereiro, Chaves morreu. Os médicos fizeram uma cesárea de emergência, mas o menino veio a óbito em 3 de março.

Bolsonaro

Em março, o presidente Jair Bolsonaro, inventou de ligar para uma rádio no interior do Rio Grande do Sul. Para incentivar que pacientes com Covid-19 recebam nebulização de cloroquina.

“Nós temos uma doença ainda que é desconhecida, novas cepas, e pessoas estão morrendo. Os médicos têm o direito, ou o dever, no momento em que falta o medicamento específico para aquilo, com comprovação científica, ele pode usar o que chama de off label, fora da bula. E no Brasil virou um tabu, praticamente é criminoso quem fala disso”. Jair Bolsonaro, sobre a ação de uma médica (justamente) demitida após essa prática.