25 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Bolsonaro não gastou R$ 15 milhões em leite condensado e distorção afeta denúncia dos gastos

Farra milionária do Governo Federal, com possível superfaturamento em doces e pizza, tomou narrativa facilmente derrubada por seus apoiadores

atualização: horas após essa publicação, o presidente Jair Bolsonaro se reuniu com aliados em uma churrascaria, nesta quarta (27) e como previsto no texto a seguir, inverteu a narrativa (que perdeu o foco da denúncia)

Publicação original a seguir

Não, o presidente Jair Bolsonaro, sozinho, não colocou em suas contas pessoais gastos de R$ 15,6 milhões em leite condensado no ano passado.

Essa foi a narrativa dos memes e parte de noticiários após o portal Metrópole relatar que o Governo Federal aumentou em 20% os gastos com alimentação, somando gastos de mais de R$ 1,8 bilhão em 2019. Isso segundo o Painel de Compras, atualizado pelo Ministério da Economia (e considerando apenas itens que somaram mais de R$ 1 milhão pagos).

Ciro Gomes e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) já afirmaram que vão acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para que os gastos sejam investigados.

Mas tomando rumo fácil para a piada do presidente que se diz simples e gosta de comer pão com leite condensado, a quantidade estratosférica de gastos com esse item dominou a narrativa do assunto.

Normalmente, quando isso acontece, o dado é usado como mais uma evidência dos críticos do presidente para mostrar ao outro lado, daqueles que estão “fechados com Bolsonaro”, de que ele também seria corrupto. Em teoria, isso diminuiria os índices de aprovação do presidente, tornando possível a abertura de um impeachment – uma questão política e que precisa de apoio em massa da população.

Mas não adianta. Como bem disse o palhaço Bozo, mesmo diante do claro envolvimento de Bolsonaro com milícia, sua proximidade com criminosos de todos os tipos, seja fora ou dentro do núcleo familiar, com dinheiro de rachadinhas e uma narrativa de verdades distorcidas ou de pura mentiras, não adianta “atacá-lo” com memes ou piadas.

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A catarse em fazer memes com o “presidente que se diz honesto, mas gasta milhões em leite condensado”, como Ana Maria Braga fazendo receita com 16 milhões de reais em leite condensado, mais atrapalha do que ajuda. Especialmente se estas brincadeiras não são com fatos 100% verdadeiros e irrefutáveis.

Com essa perda de foco, a altamente engajada defesa do presidente nas redes sociais consegue tirar isso de letra, usando algo como “mais uma fake news para derrubar Bolsonaro”. Se ele sobreviveu às outras, sobrevive a mais essa.

Os gastos

Como a cifra dada pelo Metrópole corresponde ao custo anual com o produto alimentício em todos os órgãos do governo federal, não apenas a Presidência da República, basta notar que dos R$ 15,6 milhões em leite condensado, R$ 14,2 milhões foram empregados pelo Ministério da Defesa. E segundo a pasta, o gasto foi para a alimentação do efetivo de todas as Forças Armadas.

O Ministério da Defesa, em resposta ao próprio Metrópoles, afirmou que seus gastos com alimentação são maiores do que os de outros órgãos porque a pasta é responsável pela comida do efetivo das Forças Armadas. Segundo a pasta, o efetivo é de cerca de 370 mil pessoas.

E aqui é que temos um problema.

Com 370 mil pessoas ou não, o Ministério da Defesa não deveria nunca, ainda que durante um ano, gastar mais de 14 milhões em leite condensado. Especialmente se uma caixa de 395 gramas custa menos de R$ 9 em outros locais.

Usando a calculadora, esses gastos implicam que cada indivíduo do Ministério da Defesa correspondeu a 38 reais em leite condensado, ou mais de quatro latas por pessoa.

Se não houve um esquema de desvio de verbas escondido em meio ao leite condensado, chiclete, refrigerante, vinho ou que seja, isso significa que o governo Bolsonaro é mais insensível e/ou incompetente à situação do país do que parece.

Só com o que foi gasto em leite condensado no ano passado, poderia ter sido investido 7,8 mil cilindros de oxigênio de 50 litros (padrão industrial), avaliados entre R$ 1,8 mil e R$ 2 mil a unidade, a serem muito bem usados na crise hospitalar no Amazonas.

Em tempo: os gastos da Presidência da República, com números oficiais de 2020, são esses:

 

errata: no texto anterior, foi feito um cálculo equivocado, misturando o preço individual do leite condensado de 395 g com uma caixa com 20 unidades. já corrigido