27 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
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Em tempos de ‘pejotização’: Mudanças na legislação alteram cotidiano de quem vive de beleza

Forma autônoma de contratação é um dos pontos polêmicos no setor

A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), que havia sido remendada pelo Governo Federal,  voltou a valer na sua integralidade esta semana,  uma vez que a Medida Provisória 808/2017 caducou. Diante da ausência de movimentação no Congresso Nacional, para convertê-la em lei, o Governo  estuda a edição de um decreto. Enquanto isso, as mudanças se refletem no cotidiano dos trabalhadores, inclusive daqueles que vivem de beleza.

O trabalho autônomo, por exemplo  muito comum no universo dos salões de beleza, figura entre os inúmeros pontos polêmicos da reforma. Essa forma de contratação ocorre pela via da chamada  “pejotização” (quando o trabalhador vira pessoa jurídica para prestação de serviços a outra pessoa jurídica). Ou seja, no mundo do trabalho da beleza, profissionais que desempenham as atividades de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e maquiador trabalhando nos salões sem vínculo empregatício.

Isso não é novidade. Tanto que, pouco antes da vigência da Reforma, a Lei do Salão Parceiro (Lei Federal 13.352/2016) já havia autorizado a  celebração de  contratos de parceria entre aqueles profissionais e os donos de salões. Contudo, essa lei (ainda vigente) deixa claro que, se na prática ocorrerem fatos comprobatórios de vínculo de emprego entre o salão parceiro (trabalhador autônomo) e o dono do salão, como por exemplo a subordinação daquele a este, esse fato é reconhecido. Ou seja, gera direito ao pagamento de verbas trabalhistas, a exemplo de férias, décimo terceiro salário, horas extras, entre outras garantias.

Ocorre que as alterações realizadas pela reforma trabalhista reafirmam com mais força, a “pejotização”,  o trabalho autônomo prestado, de forma contínua ou não,  “com ou sem exclusividade, afasta a qualidade de empregado”,  diz a CLT.  A MP 808 havia retirado a expressão “com ou sem exclusividade”, mas agora, tudo fica como antes, a não ser que o decreto anunciado pelo Governo Federal traga o texto de volta. A pergunta que não quer calar,  “com exclusividade” não seria um tipo de subordinação? E subordinação não é requisito para se reconhecer vínculo empregatício? Pois, é.

O ÉAssim ouviu o procurador do Trabalho Cássio Araújo, do Ministério Público do Trabalho, em Alagoas. Para ele, nem a Lei do Salão Parceiro, nem a reforma trabalhista podem passar por cima de direitos sociais assegurados na Constituição Federal de 1988. “A interpretação da lei  deve ser sistemática, tem que estar atenta ao meio em que se insere o trabalhador. Se ele recebe  qualquer que seja a ordem, não existe autonomia alguma”, afirmou, enfatizando os profissionais da beleza e demais trabalhadores devem se manter atentos à qualquer tentativa de descaracterização do vínculo empregatício.

Enquanto isso, nos salões

A cabeleireira Marcela diz que Lei do Salão Parceiro atende suas necessidades.

A cabeleireira Marcela França trabalhava com carteira assinada e chegou até ter seu próprio negócio na área da beleza.  Logo depois que a  Lei do Salão Parceiro entrou em vigor, fechou seu empreendimento e firmou contrato de parceria com um salão de maior porte, em Maceió.  “O salão administra e fazemos só o nosso trabalho. No final do mês, o administrador repassa os  30% previstos em lei do faturamento referente ao meus atendimentos e retém R$ 56,00 de imposto, uma vez que estou na faixa de rendimento de até R$ 6 mil”, conta Marcela.

Trinta por cento de repasse não é pouco? Foi o que o ÉAssim quis saber. Ela diz que atende as suas necessidades. “Trabalhamos muito com produção, é um trabalho artístico e técnico. Essa forma de contratação, pelo menos para mim, é mais vantajosa. A CLT me limitava muito. Hoje tenho mais liberdade, faço o meu horário”, justificou.

O ÉAssim ouviu também  o empresário  Guimario Amorim, proprietário de um salão de grande porte, em Maceió, onde a cabeleireira Marcela atua . Logo que a Lei do Salão Parceiro entrou em vigor, em comum acordo com dez funcionários do salão, ele fez a transição  do vínculo empregatício para  o contrato de parceria. “Pagamos todas as verbas trabalhistas devidas e partimos para a contratação das parcerias, tudo nos moldes legais. Mantivemos celetistas apenas os funcionários administrativos e de serviços gerais”, ressaltou.

De acordo com o presidente do Sindicato que representa os donos de salão (Sindibeleza/AL), Ariel Fernandes, a categoria tem se reunido para discutir o assunto, pois nem todos estão por dentro das novas regras. Segundo ele, um percentual em torno de 30% dos pouco mais de 300 associados à entidade tem funcionários, mas são poucos os que formalizaram contratos de parceria.

Para o cabeleireiro aposentado Petrúcio Santos, que até dezembro do ano passado presidia o Sindicato dos Cabeleireiros,  apenas os donos de salão ganharam com as mudanças legislativas. “Não existe mais garantia de nada. Por mais que um ou outro se adeque ao novo sistema, no geral, a categoria perdeu direitos”, avalia. A entidade engloba também outros profissionais do setor, a exemplo de manicures e maquiadores, um total de 1200 associados.

Em tempo, pela Lei do Salão Parceiro, gostando ou não, o Sindicato tem a atribuição de homologar os contratos de parceria. Já com relação aos contratos com vínculo empregatício, a  homologação no Sindicato passou a ser facultativa, depois da reforma trabalhista. Por que será?

(*)  Por Graça Carvalho