19 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Janot confessa que já entrou armado no STF para matar Gilmar Mendes

Ele ainda acrescentou que pretendia se suicidar depois de atirar na cabeça do ministro; Em nota, Gilmar Mendes lamentou o ocorrido e sugeriu tratamento psiquiátrico ao ex-procurador-geral da República Rodrigo

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot admitiu que já entrou uma vez no Supremo Tribunal Federal armado com uma pistola com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes, por causa de insinuações que ele teria feito sobre sua filha em 2017.

O ex-procurador narra o episódio num livro de memórias, lançando neste mês, sem nomear Mendes. Mas ele confirmou a identidade de seu alvo em entrevista nesta quinta. “Tenho uma dificuldade enorme de pronunciar o nome desta pessoa”.

Em maio de 2017, como procurador-geral, Janot pediu a suspeição de Gilmar Mendes em casos relacionados ao empresário Eike Batista, que se tornara alvo da Lava Jato e era defendido pelo escritório de advocacia do qual a mulher do ministro, Guiomar Feitosa Mendes, é sócia.

Segundo Janot, o ministro do STF reagiu na época lançando suspeitas sobre a atuação de sua filha, Letícia Ladeira Monteiro de Barros, que é advogada e representara a empreiteira OAS no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

“Num dos momentos de dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos investigados, resolvera fazer graça com minha filha. Só não houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão invisível do bom senso tocou meu ombro e disse: não”. Rodrigo Janot, em trecho de seu livro.

Na entrevista, ele disse que seu plano era matar Gilmar Mendes antes do início da sessão no STF. “Na antessala, onde eu o encontraria antes da sessão”, afirmou. O ex-procurador disse que não entrou no plenário do tribunal armado. Ele ainda acrescentou que pretendia se suicidar depois de matar Gilmar Mendes.

Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes emitiu uma nota lamentando a confissão do ex-procurador-geral, sugerindo-lhe tratamento psiquiátrico:

Dadas as palavras de um ex-procurador-geral da República, nada mais me resta além de lamentar o fato de que, por um bom tempo, uma parte do devido processo legal no país ficou refém de quem confessa ter impulsos homicidas, destacando que a eventual intenção suicida, no caso, buscava apenas o livramento da pena que adviria do gesto tresloucado. Até o ato contra si mesmo seria motivado por oportunismo e covardia.

O combate à corrupção no Brasil — justo, necessário e urgente — tornou-se refém de fanáticos que nunca esconderam que também tinham um projeto de poder. Dentro do que é cabível a um ministro do STF, procurei evidenciar tais desvios. E continuarei a fazê-lo em defesa da Constituição e do devido processo legal.

Confesso que estou algo surpreso. Sempre acreditei que, na relação profissional com tão notória figura, estava exposto, no máximo, a petições mal redigidas, em que a pobreza da língua concorria com a indigência da fundamentação técnica. Agora ele revela que eu corria também risco de morrer.

Se a divergência com um ministro do Supremo o expôs a tais tentações tresloucadas, imagino como conduziu ações penais de pessoas que ministros do Supremo não eram. Afinal, certamente não tem medo de assassinar reputações quem confessa a intenção de assassinar um membro da corte constitucional do país.

Recomendo que procure ajuda psiquiátrica. Continuaremos a defender a Constituição e o devido processo legal.

Acho que nada precisa ser acrescentado.

STF condena relatos

As revelações do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que quase matou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes em 2017 geraram forte repúdio dentro do Ministério Público Federal. À BBC News Brasil, integrantes da categoria com alto status dentro da carreira se disseram “chocados” e “horrorizados” com as declarações.

“Surpreso! Chocado com a conduta. Lamentável! Reprovável!”, respondeu um sub-procurador no WhatsApp. “Isso não é conduta que se espere de um membro do MPF”, acrescentou ainda, solicitando à BBC que seu nome fosse preservado.

Segundo outro alto integrante do Ministério Público Federal ouvido pela reportagem, as manifestações em grupos de mensagens de procuradores eram “todas de repúdio” às falas de Janot. Na sua avaliação, as declarações foram “um horror” e “uma falta de consideração com a carreira, uma autodesconstrução”.

One Comment

Comments are closed.