28 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Bleine Oliveira

Os transgêneros estão chegando!

Bernardo e Camille, exemplos da luta pelo direito ao gênero. Fotos: Ricardo Lêdo/Gazetaweb

Aos 19 anos, Luiz tem certeza que é Ketllyn Sofia. Por isso, não esconde a alegria de poder mudar o registro civil e todos os demais documentos, para apresentar-se em conformidade com sua aparência física. Nascido na Barra de Santo Antônio, tem cabelos longos, pretos, lábios finos, destacado num batom vermelho, unhas bem feitas, no mesmo tom encarnado.

Filho de uma policial federal e de um engenheiro civil, Monique nasceu no Rio de Janeiro, e foi lá, por volta dos seis anos de idade, que se reconheceu como Bernardo, o jovem que hoje tem 21 anos, autonomia financeira e certeza de sua masculinidade. A consciência da transexualidade o levou a mudar a idade civil, e hoje seus documentos combinam o gênero com o qual se identifica. Bernardo mora em Maceió, e se diz um homem que sabe o que quer.

A professora de dança Camille tem 32 anos, cabelos loiros, longos, cintura fina, pernas torneadas. Nela quase nada resta de Carlos Roberto, o menino nascido em Arapiraca, que ‘sobreviveu’ até o início da juventude, quando Camille alcançou o primeiro dos objetivos: trabalhar.

Camille é professora de dança.

“Desde criança sinto que sou mulher. No início tentava esconder, por ser uma cidade do interior, onde o preconceito é maior. Meus pais e irmãos aceitaram, mas temiam o que poderia acontecer comigo na rua. Por medo, minha mãe não deixava eu me vestir como mulher. Fui vencendo tudo isso aos poucos, até que aos 19 anos comecei a trabalhar, e a modificar meu corpo com hormônios” – revela Camille.

Determinada, segura de si e confiante na própria capacidade, ela seguiu lutando. Estudou – tem licenciatura em dança pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), de técnica em desporto e lazer, pelo Instituto Federal de Alagoas (Ifal), e hoje é professora de dança em uma academia, e também numa escola pública no município de Olho D’Água das Flores, no Sertão do Estado.

A jovem, que tem uma relação estável, quer mudar toda documentação, para evitar o constrangimento de ver o olhar de estranheza de quem lhe analisa sua carteira de identidade.

Bernardo conseguiu vencer barreiras na família e na sociedade.

Situação semelhante marca a vida de Bernardo, o jovem carioca, estudante de Biomedicina, que encara sem medo o olhar estranho dos homens quando entra no banheiro masculino da faculdade onde estuda. “As meninas não me queriam no banheiro delas, dizendo que eu era sapatão. No banheiro masculino diziam que eu era menina! E aí, como fica? Optei por ir ao banheiro masculino. Sou um homem! – afirma Bernardo, com naturalidade.

Ele conta que aos 6 anos de idade entendeu que não era uma menina. Não gostava dos vestidos que a mãe escolhia, das bonecas que ganhava de presente de aniversário.  Na adolescência  a família lhe definiu como lésbica. “Era menos pesado que vestir roupa de meninas, mas não era eu. Não me acostumei com a ideia. Sou um homem!” – reafirma Bernardo.

O jovem ressalta que, com atitudes firmes, responsáveis, trabalhando desde cedo, fez com que a família entendesse e aceitasse sua identidade de gênero. “Tenho mais sorte, por ser de classe média, mas a maioria sofre muito. Pelo preconceito e homofobia, e também pela falta de informação. A sociedade precisa entender que os transgêneros existem e estão ganhando visibilidade!” – acrescenta Bernardo.

Com apoio da ong Articulação Brasileira de Gays (ArtGay), Katllyn Sofia também se cadastrou para conseguir judicialmente mudar o nome do registro civil. Aos 19 anos, a jovem se chateia quando precisa usar a Identidade (RG) e as pessoas a olha com preconceito diante do nome que consta no documento: Luiz.  Katllyn é da Barra de São Miguel, onde reside, estuda e trabalha. Veio a Maceió fazer o cadastro trazida por GyGy, coordenador em Alagoas da Artgay.

Um ativista da causa homossexual, GyGy é promotor cultural e blogueiro. Ele diz que sua ong é uma organização nacional de defesa de homens homossexuais, que luta para dar dignidade aos gays, com iniciativas que levem as pessoas a respeitarem os direitos dessa parcela da população.  É o que está fazendo ao ajudar a jovem Katllyn.

Os três, Camille, Bernardo e Katllyn representam bem o universo transgênero em Maceió. O segmento ganhou mais visibilidade a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, no início de março último, garantindo a alteração de nome e gênero no assento de registro civil mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. Segundo o STF, a pessoa poderá se dirigir ao juízo e, mediante qualquer meio de prova, pleitear a alteração do seu registro.

Muita gente está decidida a mudar o nome nos registros civis.

Um mutirão realizado pelo Centro Universitário Tiradentes (Unit), em parceria com a Defensoria Pública Estadual e o Tribunal de Justiça de Alagoas,  vai materializar essa mudança para cerca de 100 pessoas, na capital alagoana.

Uma ação importante, pois, como disse Bernardo, os transgêneros existem e querem respeito! Ou, como afirmou a presidente do STF, ministra Carmen Lúcia:

“O Estado há que registrar o que a pessoa é, e não o que acha que cada um de nós deveria ser, segundo a sua conveniência”.