27 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Blog da Graça Carvalho

Saudades: 21 anos sem Freitas Neto e sua Graça

O tempo é veloz, mas às vezes, sim, Cazuza, ele para

Freitas Neto e sua esposa, Graça Freitas, durante o desfile do Filhos da Pauta.

 

Fiz 50 anos hoje.  O tempo é veloz, mas, às vezes, sim, Cazuza, ele para. Há 21 anos, ele parou. E um buraco se abriu bem embaixo dos meus pés. Perdi meu segundo Pai e minha tia querida, naquele inexplicável acidente aéreo na Ilha de Fidel. E tudo aconteceu dia 11 de julho de 1997, quando eu completei 29 anos.

Naquele dia, eu me despedia dos colegas da Redação da Tribuna de Alagoas, entrava em férias. Era meu aniversário. Homenagens, beijos, abraços. Enquanto isso, em Santiago de Cuba,  Freitas Neto e Graça Freitas embarcavam  para Havana, com outras 42 pessoas. Só no dia seguinte, atordoada, compreendi o porquê de eles não terem me ligado, como de costume para desejar o feliz aniversário.

Então, essa data é muito difícil para mim. Ano passado, tomou novo significado, quando, junto com meus primos-irmãos, Marcelino e Glória Freitas, organizei uma exposição alusiva aos 20 anos da morte deles, com ajuda do professor Fernando Lobo, então diretor do Museu da Imagem e do Som (Misa). Evento que culminou com a inauguração do Espaço Freitas Neto naquele equipamento cultural.

Foi um momento de catarse total. De emoção, mas também de muita preocupação. Marcelino apresentava problemas na voz (já era o primeiro sintoma da Esclerose Lateral Amiotrófica – ELA), Glória estava bastante fragilizada em decorrência de problemas de saúde.

Enfim, apesar de tudo,  Freitas Neto estava nos empurrando para a batalha. Tudo andava (por cima de pau e de pedra). “Coisa de Freitas Neto, que tá mexendo os pauzinhos para ajudar”, brincava a  jornalista Fátima Almeida, que tanto nos auxiliou na organização do evento.

De fato, tudo deu certo. Agradeço a todos e todas que nos ajudaram a transformar aquele evento num tributo à trajetória do homem “Feito de Ferro e de Flor”.

Hoje, retornei ao local. Tudo está no lugar, bem cuidado, agradeço o reconhecimento do Estado de Alagoas. Segundo à monitora,  Erica Rocha, já passaram lá no  Espaço Freitas Neto cerca de 10 mil pessoas, entre profissionais, estudantes, turistas e demais visitantes.

Quem desejar conhecer é só ir ao Misa, que fica na Praça Dois Leões (Jaraguá), e funciona de segunda à sexta-feira,  das 8 às 17 horas (sem intervalo para almoço) e, aos feriados, das 9 às 14 horas.

Enfim, a postagem de hoje saiu. Não foi fácil, mas tinha que ser esta. Para terminar, uma memória que eu construí de tanto minha mãe, Dona Terezinha, contar, pois, na época (final da década de 60), eu ainda era só um projeto de gente. Todas as tardes, Ele me levava pela mão para passear pelas ruas do bairro de Bebedouro. Parava na ponte e me mostrava os patinhos. Até partir, de forma tão inesperada, Ele continuou me conduzido pela mão, para que eu pudesse enxergar muito mais que patinhos na lagoa. Sou grata, tio João.

Espaço Freitas Neto, no Museu da Imagem e do Som (Misa)

Trajetória – Freitas Neto, presente!

Charge do jornalista Léo Vilanova

Com uma trajetória marcante de jornalista, radialista, cronista esportivo, advogado, dirigente sindical, juiz classista, politico e cidadão, o alagoano João Vicente Freitas Neto fez valer cada um dos seus breves 47 anos de vida.

Filho caçula de Seu Vicente e de Dona Adélia, Freitas Neto nasceu em Maceió, no dia 19 de dezembro de 1949. Passou parte da infância e adolescência em Garanhuns (PE), onde iniciou seus estudos e, lá mesmo, em 1964, teve o primeiro contato com a vida de jornalista, no jornal estudantil A Semente. No ano seguinte, de volta a Maceió, fez sua estreia no Jornal de Alagoas, ainda adolescente.

Nunca mais largou a profissão (agregou outras). Só no Jornal Estado de São Paulo, o “Estadão”, onde atuou como correspondente, foram 19 anos. Na imprensa local, ainda passou por vários veículos que fizeram historia, a exemplo de “O Desafio”, jornal independente que circulou na década de 70, tendo ido, inclusive cobrir a Copa da Argentina, em 1978. Era também um atuante cronista esportivo.

Em 1979, Freitas Neto foi eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas (1979-1982), mobilizando a categoria na luta contra a ditadura militar, contra todas as formas de censura e aliando-se ao movimento nacional em defesa da anistia ampla e irrestrita para presos e perseguidos políticos. Na sua gestão, articulou os jornalistas alagoanos para participação da histórica greve geral, em defesa da democratização do país. Freitas também lutou para assegurar a implantação do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Alagoas.

Tendo como principal bandeira de luta pela democratização da comunicação (era um entusiasta da criação do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação), em 1983, percorreu as Redações dos jornais de todo o país como candidato à presidência da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Por sua capacidade intelectual e compromisso com o movimento sindical, Freitas também exerceu mandato de juiz classista, em Arapiraca. Lá, também aproveitou para mobilizar profissionais de Comunicação para instalação da Delegacia Sindical “Che Guevara”.

Referência para novas gerações, logo após a sua morte, Freitas foi homenageado pelo Sindicato dos Jornalistas de Alagoas com a criação do Prêmio Freitas Neto, específico para estudantes de Jornalismo, mantido ainda hoje no Prêmio Braskem de Jornalismo. Em 1996, um ano antes de sua morte, Freitas havia recebido o Prêmio Salgema (atual Braskem) de Jornalismo com uma matéria especial sobre o Graciliano Ramos, por quem tinha verdadeira admiração. Quando do seu falecimento, Freitas coordenava as sucursais da Gazeta de Alagoas, em Arapiraca e Maragogi.

Na advocacia, destacou-se em diversas atuações, em especial como assistente de acusação, ao lado do então advogado (hoje, desembargador) Diógenes Tenório, no caso Tobias Granja, jornalista alagoano assassinado em 1982. O caso rendeu ameaças de morte aos dois advogados. Com a mesma coragem e determinação, Freitas integrou o Conselho Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de Alagoas.

Ainda na década de 80, filiou-se ao antigo MDB (atual PMDB), por cuja legenda elegeu-se vereador por Maceió – 1982/1988 – exercendo papel ativo na redemocratização do país. Com a legalização do Partido Comunista (PCB), do qual foi um ativo militante, deixou o MDB e passou a representá-lo na Câmara Municipal de Maceió. Um mandato marcado pela constante articulação com os movimentos sociais. Mais tarde, ingressou no Partido Popular Socialista (PPS), por onde disputou mandatos proporcionais e majoritários e integrou o Diretório Nacional.

Amante de Cuba, e agindo como uma espécie de “embaixador” da Ilha de Fidel Castro, em terras brasileiras, Freitas organizou inúmeros eventos e voos de solidariedade, numa época em que a Ilha sofria consequências do embargo econômico americano. Levava a Cuba, profissionais de diversas áreas e políticos dos mais variados partidos, além de doações para o povo cubano. Já naquela época promovia o intercâmbio entre profissionais brasileiros e cubanos.

Freitas estava justamente em uma de suas “missões” , quando faleceu na noite de sexta-feira, 11 de julho de 1997, minutos depois de a aeronave decolar de Santiago de Cuba em direção à capital cubana, Havana. Junto com ele também faleceu a sua companheira de todas as horas, Maria das Graças de Carvalho Freitas (Gracinha), prima e namorada da adolescência, com quem casou, em 1977, na cidade de Mimoso (PE). União que gerou dois filhos, Marcelino (1978) e Glória Adelia (1979), ambos ainda eram adolescentes à época do acidente que vitimou os pais.

(Por Graça Carvalho – com informações de Marcelino Freitas, Glória Freitas e do site História de Alagoas http://www.historiadealagoas.com.br)