26 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Brasil poderia ter evitado 375 mil mortes por Covid-19, diz microbiologista na CPI

Natália Pasternak disse que o País não fez o dever de casa para evitar mortes

Natália Pasternak diz que dados foram revelados em estudos realizados

A microbiologista Natalia Pasternak, disse durante depoimento à CPI da Covid no Senado nesta sexta-feira, 11, que o Brasil poderia ter evitado 375 mil mortes por Covid-19 se tivesse adotado medidas e ações no controle da pandemia, como a compra de vacinas com agilidade.

A senadora Kátia Abreu (PP-TO) questionou Pasternak e médico sanitarista Cláudio Maierovitch sobre as mortes evitáveis no Brasil, caso o país tivesse feito “o dever de casa”.

A microbiologista citou um estudo coordenado pelo epidemiologista Pedro Hallal, o qual mostra que três a cada quatro óbitos poderiam ter sido evitados se houvesse políticas como testagem em massa, rastreamento e isolamento social; investimento em vacinação ao invés de “tratamento precoce”; além de uma campanha única de conscientização das medidas não farmacológicas, como uso da máscara, higienização das mãos e distanciamento social.

“Ou seja, quando atingirmos 500 mil mortes, isso quer dizer que 375 mil mortes poderiam ter sido evitadas com melhor controle da pandemia”, disse a microbiologista Natalia Pasternak.

O depoimento de dois cientistas  devem reforçar os argumentos da comissão para responsabilizar o presidente Jair Bolsonaro pelo descontrole da pandemia. Pasternak e Maierovitch apontaram consequências graves do chamado tratamento precoce contra a doença e de outras medidas defendidas pelo Palácio do Planalto que contrariam evidências científicas.

Cloroquina

O uso da cloroquina é um dos principais temas abordados na comissão. Os dois especialistas ouvidos reforçaram que o medicamento não tem eficácia comprovada para curar ou reduzir os efeitos da Covid-19 em pacientes que contraíram a doença. A CPI pretende responsabilizar integrantes do governo que tenham agido a favor desse tratamento. Além disso, os integrantes da comissão querem apontar um cruzamento ilegal de ganhos abusivos de farmacêuticas com a venda de remédios do chamado ‘kit covid’, como hidroxicoloquina e invermectina.

Na fala inicial, a microbiologista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) adotou um tom crítico ao uso de medicamentos para a Covid-19. A especialista indicou erros na defesa da cloroquina contra a Covid devido à falta de evidências científicas a favor do medicamento e afirmou que o fármaco nunca teve a probabilidade de funcionar contra a doença.

“Não funciona em células do trato respiratório, não funciona em camundongos, não funciona em macacos e também já sabemos que não funciona em humanos”, disse, afirmando que foram esgotadas as opções de testes para o medicamento. “A gente só não testou em emas porque elas fugiram”, ironizou Pasternak, em menção a um episódio em que o presidente Jair Bolsonaro foi fotografado correndo atrás do animal com uma caixa do medicamento.

Aliados de Bolsonaro apresentaram argumentos favoráveis ao uso do medicamento, mostrando dados de quem tomou e se recuperou da doença. Luiz Carlos Heinze (PP-RS) declarou que os médicos pró-cloroquina estavam sofrendo bullying. Para os especialistas, porém, a correlação não significa que a cura foi efeito do remédio. “Para o momento, nós temos evidências suficientes para saber que a cloroquina não produz efeitos benéficos em relação à Covid-19”, disse Cláudio Maierovitch, sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os movimentos contra o isolamento social e o atraso na compra de vacina foram apontados como outras atitudes do governo que prejudicam o combate à pandemia. “Esse negacionismo da ciência perpetuado pelo próprio governo mata”, afirmou a pesquisadora.

Máscaras

A audiência ocorreu um dia após o presidente Jair Bolsonaro anunciar um estudo para desobrigar o uso de máscaras para quem se vacinou ou teve a Covid-19 no país, apesar de a pandemia ainda estar em descontrole. A tese foi rebatida pelos especialistas. “A recomendação do uso de máscara é essencial enquanto se continua observando número de casos e óbitos, que é preocupante. Só podemos deixar de usar quando grande porção da população estiver vacinada e quando a curva nos disser que isso é seguro. Não temos nem que olhar percentagem de vacinados, mas a curva da Covid”, disse a microbiologista.

Nesta sexta-feira (11), Bolsonaro ajustou o discurso e disse que a decisão sobre dispensar ou não a máscara cabe a estados e municípios. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reforçou a necessidade de vacinar a população antes de orientar pela retirada da proteção facial. A falta de coordenação nacional no combate à pandemia e a aposta na imunidade de rebanho foram classificadas como negligência do governo pelo ex-presidente da Anvisa. “É uma atitude que, se a gente olhar do ponto de vista racional, é uma atitude suicida. As pessoas estão sendo impelidas a desejos suicidas”, disse Maierovitch, defendendo a organização do plano de vacinação. “O plano de imunização que tivemos é um plano pífio.”

Gabinete paralelo

Durante o depoimento, o médico sanitarista criticou o comportamento de colegas de profissão que integram o chamado ‘gabinete paralelo’ de assessoria ao presidente Jair Bolsonaro em assuntos da pandemia. Sobre a médica Nise Yamaguchi, que à comissão negou fazer parte de um assessoramento “paralelo”, Maierovitch disse ter ficado “espantado”. “Fui colega de faculdade. Sabendo da experiência anterior, agora assumindo posições e defesa de atitudes anticientíficas, eu estranhei muito”, afirmou o sanitarista.

Sobre o virologista Paolo Zanotto, Maierovitch fez as mesmas considerações e ainda pontuou que, apesar de o médico opinar com frequência sobre tratamento precoce, essa não é a área de estudo de Zanotto. “Com todo respeito, ele é um biólogo, virologista, não foi formado para tratar pessoas”, disse o médico. Ele ainda classificou o deputado e ex-ministro Osmar Terra (MDB-PR) como alguém hoje mais atuante na política do que na medicina.