25 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Moro dribla perguntas-chave no Fantástico e sugere que sejam feitas ‘ao Planalto’

Ex-ministro admitiu permitir que cidadãos comprem mais que o dobro de munição para tentar defender sua posição na PF; Decisão foi tomada um dia após Bolsonaro, aos gritos, dizer querer “armar a população contra a ditadura”

Um mês após deixar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, fazendo graves acusações ao presidente Jair Bolsonaro, o ex-juiz Sergio Moro concedeu uma entrevista ao Fantástico, neste domingo (24).

As perguntas, realizadas por Poliana Abritta, tiveram como foco o vídeo da reunião ministerial de 24 de abril, divulgada nesta semana pelo STF. O material é uma das provas do inquérito aberto, após acusações de Moro, sobre supostas interferências do presidente Jair Bolsonaro na PF.

Na introdução da entrevista, os apresentadores Poliana e Tadeu Shmidt fizeram questão de ressaltar o “constrangimento” de Moro no vídeo da reunião ministerial.

Antes de tudo, é importante ressaltar: Moro disse que o presidente não se empenhou no combate à corrupção, criticou a aproximação do governo com políticos do Centrão e disse que saiu para não trair seus princípios. Mas fez de tudo para não se queimar nas respostas:

Poliana Abritta: O senhor não pode dizer que as atitudes do presidente Bolsonaro hoje são diferentes das que ele demonstrou ao longo da carreira parlamentar no Congresso, durante 28 anos. Se o senhor disse que não queria sujar a biografia do senhor, por que lá atrás aceitou o convite?

Sergio Moro: Porque eu entendi que eu tinha uma missão importante a realizar.

Poliana Abritta: O senhor se arrepende?

Sergio Moro: Não, de forma nenhuma. Eu fiz uma escolha, muito clara, e na época ela estava justificada. E fiz uma escolha também muito clara – e espero que as pessoas compreendam – quando sai do governo.

Um trecho, em particular, provocou mais reação. Foi a da “verdade inconveniente”.

Poliana Abritta: O senhor entrou no governo com muito apoio popular. Saiu e está tendo que encarar a ira de parte dos apoiadores do presidente Bolsonaro. Incomoda?

Sergio Moro: Eu acho que algumas verdades inconvenientes surgiram. Muitos apoiadores do próprio presidente, antes da minha saída, me diziam um tanto quanto frustrados contra essa falta de empenho maior na agenda anticorrupção.

Eduardo Bolsonaro respondeu assim:

Mais munição

Algo que ficou evidenciado nas respostas ao Fantástico foi o nível de omissão de Sergio Moro no governo. Além de claramente não intervir em declarações não palacianas de colegas (Weintraub mandando prender os FDP do STF, Damares falando em eugenia e Salles falando em usar a pandemia para passar leis polêmicas), o ex-juiz ajudou a municiar as milicias e apoiadores de Bolsonaro.

Na reunião do vídeo, o presidente é visto claramente dizendo que pretende armar a população contra a “ditadura”, que segundo ele, viria da esquerda. E que uma população armada faria ajudar ela impedir isso.

Curiosamente, no dia seguinte saiu uma portaria, assinada pelo próprio Moro (e pelo ministro da Defesa), que aumentava a possibilidade do cidadão comprar munição, de 200 cartuchos por mês para 550 por mês. O motivo pelo qual Moro concordou em favorecer essa crescente defesa de armada civil do presidente?

“Eu não queria também que isso fosse utilizado como um subterfúgio para desviar a questão da Polícia Federal, da interferência na Polícia Federal. E eu entendi, naquele momento, que não tinha condições de me opor a isso porque já existia essa querela envolvendo a Polícia Federal”. Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública.

Pergunta ao presidente

Nos momentos mais chaves da entrevista, no entanto, Moro recuou. Deu não-respostas, desviou ou claramente sugeriu que as perguntas fossem feitas ao Planalto ou ao próprio presidente. Como se ele não soubesse de nada. Ou, vá lá, não quisesse mais fazer parte do que vez, durante mais de 18 meses.

Sobre a “segurança da família”, ele sugeriu que se perguntasse ao Planalto. Da mesma forma, quanto “à falta de informações” e o desejo de Bolsonaro interferir na PF, ele disse que isso deveria ser “indagado ao presidente da república”. Nem mesmo suas impressões sobre a pandemia praticamente não ter sido pauta ele quis dar:

Essa é uma questão que deveria ser dirigida, principalmente, ao presidente da república”. Sergio Moro.

O que deve ter ficado claro na entrevista é que Moro foi muito bem preparado para responder algumas coisas, desviar de outras e claramente empurrar a batata-quente para seus adversários.

Ele sabe o que fez: abandonou décadas de magistratura para entrar em um governo de extremos. Não foi por falta de aviso. E é possível que até mesmo por omissão, ele tenha visto e permitido muitas ações questionáveis.

Em pelo menos uma delas, Moro mais do que dobrou a quantidade de munição que o cidadão pode comprar no Brasil. E é com isso que ele parece em se preocupar: em não dar mais munição aos seus adversários. Tentar fazer com que suas denúncias afetem apenas Bolsonaro e seus aliados. Ele está claramente em campanha para 2022.

Mas de uma coisa é certa: naquela reunião, todos sabiam o que estavam fazendo e como as coisas eram feitas. E Moro pode até ter saído antes de seu final, pois disse que ficara incomodado. Mas saiu tarde demais. Saiu de onde nem deveria ter entrado.