O novo decreto do governo estadual sobre as medidas de combate ao coronavírus saiu do forno, ontem, com a cara de requentado e a sensação de que a pressão econômica ganha espaço, numa disputa em que a saúde exige prioridade – por questões imperiosas, de vida e morte. E a morte vem ganhando terreno, amparada na teimosia da quebra do isolamento social. Os hospitais beiram o esgotamento de sua capacidade de lotação, enquanto os cemitérios trabalham (necessariamente) na ampliação de vagas.
Considero que o governo de Alagoas vem fazendo um bom trabalho no combate ao coronavírus desde o início. Mas num momento em que a escalada dos números mostra 4.916 casos confirmados e 262 mortes registradas, segundo dados desta quinta-feira (21); e a doença se faz presente em quase 90% dos 102 municípios, esperava-se que as regras de isolamento endurecessem; falava-se até em lockdown.
No dia 1º de maio, Alagoas registrava 1.045 casos confirmados, com 47 mortes por Covid-19. Em 21 dias, o número de pessoas que testaram positivo é quase cinco vezes maior, e o número de mortes já é quase seis vezes maior do que o registrado no começo do mês.
Não dá pra relaxar. O bom senso manda fechar o cerco. Mas o governo surpreendeu; manteve tudo como era antes no quartel de Abrantes: com os mesmos serviços ‘essenciais’ funcionando (vou comentar alguns deles) e as mesmas regras e restrições, apenas tornando mais rígida a abordagem da fiscalização nas regiões metropolitanas de Maceió e Arapiraca. Vale uma ressalva sobre essa distinção: Imagens e relatos dão a impressão de que é exatamente nas regiões interioranas mais distantes, onde as pessoas mais descumprem as regras de isolamento social e uso de máscaras.
Sobre ‘essenciais’
Por ser bem similar ao anterior, no novo decreto, valendo a partir de hoje, permanecem algumas situações que de certa forma (contando com a falta de bom senso das pessoas) favorecem a quebra do isolamento social. Serviços ‘essenciais’ que não o são tanto assim, considerando a situação de pandemia, são uma porta aberta para isso.
Nunca entendi, por exemplo, a necessidade ‘essencial’ de abrir papelarias, se na maioria dos supermercados (que necessariamente permanecem abertos) tem seções destinadas a isso! E o que pode fazer o ‘isolado’ ir a uma banca de revista, em meio à pandemia, se pode ter todas as noticias pela internet? E as livrarias? Por mais que seja saudável o hábito de ler, será que alguém vai morrer se não comprar um livro nesse período? Claro que não! Mas pode morrer se sair de casa pra comprá-lo.
O funcionamento desses estabelecimentos só aumenta o risco para funcionários que são obrigados a ir trabalhar, às vezes pra fazer nada; e para atrair alguns imprudentes que só querem uma brechinha pra sair. Vamos às lojas de tecidos: compreensível a liberação, para favorecer a confecção de máscaras. Porém, o que mais se vê no Centro são clientes passeando com pacotes de tudo que é produto (edredons, colchas, travesseiros, artigos decorativos…).
É o que acontece também nos varejistas de bebidas, que continuam abertos como serviços essenciais. O que menos se vende nesses locais é água mineral. Até porque, este produto geralmente é comprado a delivery, desde sempre, não só em tempos de pandemia. De fato, é a venda de bebida alcoólica que está por trás da essencialidade desse comércio.
Desculpe governador – e até compreendo a angustia dos comerciantes e o anseio pela reabertura da economia – mas neste momento, o essencial mesmo seria reduzir a possibilidade desses ‘passeios’ em locais de compras, para diminuir a força e o tempo dessa pandemia, e tudo voltar ao normal o mais rápido possível.
Jogo duro
Nesse momento, o que precisa é estabelecer maior rigidez no controle de fluxo, higienização e proteção nos ambientes de mercados e feiras livres, e com fiscalização (como se faz nos supermercados); jogar duro em relação ao uso de máscaras e ao distanciamento social; e combater artifícios de alguns comerciantes que de uma hora para outra encheram as prateleiras de produtos essenciais para burlar o decreto, abrir e vender de tudo, atraindo gente para as ruas.
Já basta quem tem mesmo que sair de casa por dever de ofício: os comerciários que atuam nesses estabelecimentos e que se expõem diariamente ao risco de contágio do Covid-19; os bancários que atuam no pagamento dos benefícios sociais; motoristas e cobradores do transporte público; pessoal da limpeza; jornalistas; profissionais da Saúde e da Segurança, entre outros.
Até porque, entra decreto e sai decreto, mas persistem situações que mereciam uma atenção especial do governo na cobrança de soluções, mesmo sendo responsabilidade de outras instâncias do Executivo, como o problema dos transportes públicos, por exemplo. Em Maceió, a SMTT tentou resolver a superlotação dos ônibus, mas acabou transferindo-a para os terminais e pontos de parada. É só dar uma olhada ao redor e ver a quantidade de gente que se aglomera nos pontos de ônibus.
Assim é também nas filas das agências e correspondentes bancários da Caixa, devido à concentração dos servidos de pagamento de benefícios. Precisa cobrar do governo federal a descentralização desse serviço para outros bancos, como forma de reduzir as aglomerações que propiciam a disseminação do vírus. Alguém já pensou que o aumento assustador dos casos de coronavírus pode ter aí uma de suas raízes?
É bom pensar. Enquanto existir motivo para aglomeração, o vírus vai vencendo essa batalha de vida e de morte.
Acho que deve ser feito o isolamento, mas algumas coisas precisam ser revistas. Barbearia não aglomera nada, papelaria manter aberta sim. Defendo que abram os shoppings, mas todos ciriculando mascarados e colaboradores com elas e de luvas. A economia precisa de um suporte maior.
Material Fantástico. Concordando com tudo. As pessoas só querem um motivo pra sair de casa e brechas é o que não faltam nesses decretos