24 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

O dia seguinte: as repercussões da postagem obscena do presidente

Um dos autores do pedido de impeachment que culminou com a cassação da presidente petista Dilma Rousseff afirmou que a postagem do atual presidente configura quebra de decoro

O jurista Miguel Reale Jr, ex-ministro da Justiça, foi um dos autores do pedido de impeachment que culminou com a cassação da presidente petista Dilma Rousseff. E sem tomar partido, ele é categórico: a publicação de um vídeo obsceno, por parte do presidente Jair Bolsonaro (PSL), configura quebra de decoro e justificaria a abertura de um pedido de impeachment.

“O caso se enquadra como falta de decoro, o que pode levar ao impeachment. Por que divulgar cenas abjetas para o povo brasileiro?” Ele (Bolsonaro) só pensa em factoide”. Miguel Reale Jr, ex-ministro da Justiça, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma.

Para justificar a publicação, Bolsonaro afirmou: “temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”.

Isso no corpo do twitter, mas insuficiente, diante da postagem obscena, onde um homem coloca o dedo no ânus e urina em outro, no meio da rua. Quando explicaram para ele o ato, Bolsonaro ainda teve a coragem, ou falta de noção, para publicar na rede “o que é golden shower?”.

Diante do nível escatológico e a infeliz repercussão internacional, afinal o próprio presidente deu a entender que o carnaval de rua no país se resumiria apenas a isso, a a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República precisou se pronunciar.

A respeito de publicação realizada na conta pessoal do Presidente da República, em 5 de março, convém esclarecer que:
  • No vídeo, postado pelo Sr Presidente da República em sua conta pessoal de uma rede social, há cenas que escandalizaram, não só o próprio Presidente, bem como grande parte da sociedade.
  • É um crime, tipificado na legislação brasileira, que violenta os valores familiares e as tradições culturais do carnaval.
  • Não houve intenção de criticar o carnaval de forma genérica, mas sim caracterizar uma distorção clara do espírito momesco, que simboliza a descontração, a ironia, a crítica saudável e a criatividade da nossa maior e mais democrática festa popular.

Líderes de partidos, até mesmo os de centro e centro-direita do Congresso, ainda não acreditavam no que Bolsonaro havia aprontado. Primeiro, foi alvo de chacota. Depois, veio a cobrança. Integrantes da cúpula do Parlamento avaliam que Bolsonaro está, aos poucos, ele mesmo, minando a credibilidade que tem para liderar mudanças estruturais.

Eles chegaram a questionar se a mensagem tinha mesmo sido escrita por Bolsonaro. Aliados de Carlos, o 02, se adiantaram em dizer que ele estava longe do pai, em Florianópolis. E pessoas próximas a Bolsonaro dizem que ele reconheceu que a postagem “não foi oportuna”.

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, evitou comentar a polêmica em torno do vídeo compartilhado: “Sem comentários”. Ele afirmou ainda que não é “ventríloquo” do presidente. “Não vou comentar o que eu não sei. Não sou ventríloquo do presidente”, reagiu.

Desvio de atenção

O deputado federal Paulão (PT-AL) comentou, também pelo Twitter, a obscenidade infeliz postada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Entrando apenas no terceiro mês de governo, o presidente  coleciona uma série de polêmicas de cunho político e familiar. E para o petista, postagens polêmicas são um meio de desviar a atenção:

“É isso que ele quer. Criar uma notícia que choque e desviar atenção da corrupção de sua família e a incompetência de governar o país. Paulão, deputado federal (PT-AL).”

Os filhos são motivos de dor de cabeça no presidente – e seu governo. O deputado federal Eduardo Bolsonaro criticou a liberdade provisória de Lula para visitar o neto, e até mesmo correligionários, como o pastor Malafaia, criticaram o ódio no momento de luto. Flávio Bolsonaro sofre com acusações de envolvimento com funcionários laranjas e milícias no Rio e Carlos Bolsonaro já ajudou a derrubar um ministro, ao publicar áudios do pai nas redes sociais.

Ministros também fazem barulho: Damares Alves acredita no kit macumba e que holandeses masturbam os filhos bebês, criando um incidente internacional, o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, ministro da Educação, coroou decisões polêmicas com o hino nacional encerrado com slogan de campanha e Moro teve que recuar uma indicação em comissão de justiça, após burburinho nas redes sociais.

E isso apenas listando algumas das muitas polêmicas. Que Bolsonaro, que dizia não querer agir como na velha política, teria sim interesse em desviar a atenção, durante um Carnaval em que ele foi alvo de críticas. A Mangueira venceu no Rio de Janeiro contando “histórias não contadas” e com vontade estampando fotos de Marielle, vereadora assassinada em um caso ainda não esclarecido, mas com suspeitos envolvidos no gabinete do então vereador Flávio Bolsonaro.

A MP 873, por exemplo, editada às vésperas do Carnaval, fechou o caixão dos Sindicatos. E mesmo que com advogados considerando a medida inconstitucional, a repercussão da mesma foi mínima. No lugar disso, o presidente preferiu perguntar sobre a prática sexual com uso de urina.

A Postagem

Os seguidores no twitter do presidente  foram surpreendidos com uma postagem indecente: no vídeo postado pelo presidente, um homem dança em cima de um ponto de táxi e coloca o dedo no ânus, mostrando ao público que assiste à cena. Em seguida, um outro rapaz urina na cabeça dele.

Na postagem, o presidente  justifica a postagem como uma crítica ao carnaval brasileiro:

“Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conclusões”. Jair Bolsonaro, Presidente.

A atitude de Bolsonaro chocou os internautas, pelo fato de o presidente, sob a justificativa de paladino da moral, promover a divulgação da  cena lamentável para milhares de pessoas incluindo crianças e adolescentes que o seguem no twitter.

Impeachment

Além de críticas pela divulgação do conteúdo adulto, internautas consideraram que o presidente estaria violando a Lei do Impeachment, a 1.079/1950. O parágrafo 7º do artigo 9º diz que “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” é crime de responsabilidade contra a probidade na administração pública.

A hashtag #ImpeachmentBolsonaro já lidera os Trending Topics do Twitter desde a madrugada. O deputado Alessandro Molon (PSB/RJ) afirmou que as publicações de Bolsonaro nas redes sociais são “incondizentes” com o cargo que ocupa.

O deputado Paulo Pimenta (PT) chamou a atenção para a necessidade de o presidente ser submetido a um teste de sanidade mental. “Não podemos descartar a possibilidade de solicitar um teste de sanidade mental”, afirmou Pimenta, sugerindo inclusive a exclusão da conta do presidente do Twitter.

Em respeito aos leitores do Eassim, o vídeo espalhado pelo presidente não vai ser reproduzido aqui.