29 de março de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Em live, Bolsonaro de novo recomenda cloroquina como tratamento precoce pra Covid-19

Chamando de canalha quem faz o contrário, presidente afirmou que usou por conta própria ‘aquele negócio que o pessoal usa para combater a malária’

Em mais uma live de quinta, o presidente Jair Bolsonaro mostrou não dar a mínima para os trabalhos da CPI da Pandemia e muito menos para estudos científicos e, mais uma vez, recomendou o uso da hidroxicloroquina como tratamento precoce para Covid-19.

Enquanto senadores tentam provar desmandos, omissões e crimes declarados do governo federal durante o surto de coronavírus em sua gestão, entre eles a recomendação de hidroxicloroquina (que além de não funcionar, pode provocar arritmia e morte em pacientes), o presidente só não disse o nome do medicamento, mas segue com suas recomendações.

“Não vou falar o nome para não cair a live. Aquele negócio que o pessoal usa para combater a malária, eu usei lá atrás e no dia seguinte tava bom. E vou dizer mais: há poucos dias estava me sentindo mal e, antes mesmo de procurar o médico… Olha só que exemplo estou dando: tomei depois aquele remédio porque estava com sintoma. Tomei, fiz exame, não estava (doente). Mas, por precaução, tomei”. Jair Bolsonaro, presidente.

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Durante sua live desta quinta (20), transmitida em suas redes sociais, o presidente se irritou com a cobrança feita pelos senadores sobre o incentivo do governo à utilização do remédio contra o novo coronavírus, que não é eficaz para combater a doença.

Egoísta e centrado no próprio umbigo, ele afirmou que recentemente teve sintomas e tomou o remédio. Bolsonaro não citou nominalmente a cloroquina por temor de que as redes sociais derrubassem a transmissão, uma vez que poderia ser enquadrada como propagadora de informações falsas.

Evitando usar o nome cloroquina, Bolsonaro destacou não só seu uso contra a malária, como foi além e lembrou que o remédio era aquele que “ofereceu para a ema”.

Não sendo o suficiente, o presidente também voltou a chamar de canalhas aqueles que criticam o uso da cloroquina mas não oferecem alternativas – ele pode não ter ouvido ainda, mas a alternativa é vacina. O presidente insinuou ainda que alguns médicos não receitam o medicamento porque ganhariam mais dinheiro com pacientes na UTI.

“Um paciente hospitalizado numa UTI é um paciente que vai gastar muito dinheiro com aquele hospital particular. Não quero dizer que seja isso, mas parece que pelo menos pode se suspeitar. Bem como um remédio extremamente barato como esse que eu tomei para combater a malária prejudica os grandes negócios da indústria farmacêutica”. Jair Bolsonaro.

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Linguagem de internet?

Em seu primeiro dia de depoimento na CPI da Pandemia, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, garantiu que o presidente Jair Bolsonaro nunca o contradisse, enviou ordens ou mandou que ele agisse de forma diferente enquanto chefiava a pasta. Nem mesmo em casos como com a compra da Coronavac ou uso da cloroquina.

Claro, mesmo diante de inúmeros provas em texto e vídeo, como quando um Bolsonaro indignado e aos gritos, literalmente, dizia que vacina chinesa não seria comprada (após Pazuello prometer aos governadores um acordo pela Coronavac) e o patético vídeo em que, com covid-19, o ex-ministro recebe o presidente em casa e fala “um manda, o outro obedece”.

Pazuello insistiu numa retórica arriscada ao governo: a de uma coisa é o Bolsonaro falando de forma oficial, e a outra é ele falando na internet.

“Bolsonaro nunca mandou desfazer contrato com o Butantan, nunca foi dada essa ordem. Uma ordem pela internet não é uma ordem. Uma ordem deve ser escrita”. Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde na CPI.

Sonso ou muito bem treinado juridicamente, Pazuello insistiu na retórica de que uma coisa é Bolsonaro falando oficialmente e que outra é ele falando para seu público. Ou seja: que o “Mito” não é para ser levado a sério.

Isso foi corroborado inclusive pelo filho 02, o senador Flávio Bolsonaro, que no dia anterior, enquanto tentava defender o ex-ministro Ernesto Araújo, criticou o que chamou de ‘negacionismo do óbvio‘ e aproveitou para reforçar que seu pai nunca chamou covid de “gripezinha”. ‘Apenas no caso dele’.

No caso dele, especificamente, o presidente disse que a Covid seria uma gripezinha. E graças a Deus foi. Mas a narrativa que foi construída é que Bolsonaro]teria dito que todos que foram acometidos pelo Covid teriam uma gripezinha. No meu entendimento, essa alegação é uma fake news”. Flávio Bolsonaro, senador.

Sendo assim, o presidente que biblicamente diz que a liberdade liberta, criou um personagem liberado para atacar instituições, fazer piadas que seriam barradas na A Praça é Nossa, e, essencialmente, ir de encontra à sua posição de presidente da República.

Mesmo que isso signifique, claro, apelar quando estes vídeos “não oficiais” sejam deletados. O governo, por exemplo, já prepara um decreto para limitar a atuação de redes sociais no Brasil e proibir que sites e redes sociais apaguem publicações ou suspendam usuários de suas plataformas.

O decreto é uma resposta do governo à atuação das principais plataformas e, caso seja editado, pode permitir que  a propagação de informações falsas e o discurso de ódio cresça ainda mais. Nos últimos meses, publicações e vídeos do presidente Bolsonaro foram retirados do ar pelo Facebook e pelo Google sob a alegação de que propagavam informações falsas ou sem comprovação.

Mas, para os governistas, o que importa então são os atos, não o discurso. Na verdade, nem mesmo a figura importa. Aquele cara que se parece com Jair Bolsonaro, fala como Jair Bolsonaro e age como Jair Bolsonaro, não é o presidente. É só um personagem.

Na internet ou ao lado de apoiadores, o presidente “apenas age” como uma criação do gado para o gado e liberado para vociferar impropérios, mesmo com consequências genocidas

Sendo assim, tecnicamente, governistas acreditam que se Bolsonaro falou para o gado e viralizou na internet, não pode ser oficial: o que importa é o que ele falou, às portas fechadas, aos seus comandados.

O presidente nunca recomendou cloroquina, por exemplo. Aquele que ofereceu até para a coitada de uma ema era só um babaca fictício, que está liberado para mentir e ofender?

Se for o caso mesmo de ser uma figura não-oficial para internet, estaria então liberado falar mal desta criatura genocida, sem ter que se preocupar com crimes de ofensa ao presidente?

Afinal, aquele não é o presidente, é só um personagem de ficção que busca apenas autorização de seu gado, mas nunca autorizou ou se responsabilizou pelo que fez em seu governo.