26 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Justiça

STF proíbe orçamento secreto usado para comprar votos no Congresso

Bolsonaro criticou Supremo por interferência na política e Congresso tenta encontrar meio termo para conseguir aprovar projetos sem “bolsolão”

Motivado pela suspensão da ministra Rosa Weber, o STF (Supremo Tribunal Federal) votou de forma favorável à suspensão do pagamento de emendas do chamado “orçamento secreto” do Congresso, que eram usadas pelo Planalto para incentivar (comprar) deputados a votarem de forma favorável em suas pautas.

Os ministrosLuís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes seguiram o entendimento da ministra Rosa Weber, relatora do caso, que decidiu interromper os repasses na última sexta-feira (5). Faltam os votos de Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e do presidente da Corte, Luiz Fux.

Segundo parecer da ministra Rosa Weber, o regramento pertinente às emendas de relator distancia-se de ideais republicanos de transparência e impessoalidade, bem como é incompatível com o regime democrático.

O “orçamento secreto” vem sendo utilizado usado pelo governo de Jair Bolsonaro para obter apoio político no Congresso, especialmente às vésperas da votação da PEC dos Precatórios – só o PDT, por exemplo, que depois de dar 15 votos a favor, mudou de posição e vai votar em peso contra a proposta no segundo turno, no que pode ser uma grande derrota de Lira e Bolsonaro.

De forma resumida, sem um incentivo financeiro na forma de R$ 15 milhões em emendas para que deputados votem nas propostas de interesse do Governo, elas não avançam – pois são propostas danosas.

Para bom entender, eles abusam de um mensalão turbinado, uma escancarada compra de votos. Além de tudo, estes recursos não requerem o detalhamento dos gastos e são destinados a apenas alguns parlamentares.

Bolsonaro e Lira

Com esta decisão, o presidente Jair Bolsonaro pode perder apoio no Congresso em votações cruciais para o futuro do governo em caso de derrota no STF.

Isso porque, a partir de agora, ele não poderá usar os R$ 17 bilhões reservados de forma secreta para “incentivar” deputados a votarem com ele. Por cabeça, até R$ 15 milhões ganhava um deputado por voto.

A mais imediata destas votações é a da PEC dos Precatórios, que deve ser analisada em segundo turno na Câmara hoje. E o presidente não esconde seu descontentamento.

Nesta mesma manhã, Bolsonaro criticou hoje o STF pelo o que ele diz ser “excesso de interferência”. Diretamente aos seguidores bolsonaristas, no canal de Youtube Jornal da Cidade, Bolsonaro criticou até mesmo o uso da palavra “orçamento secreto”.

“Você vê o STF também. Cada vez mais o Supremo, na verdade, interfere em tudo. Hoje teve interferência agora nessa história do orçamento secreto. Orçamento secreto publicado no Diário Oficial da União… Mas tudo bem”. Jair Bolsonaro, presidente.

Famoso por seus apelidos jocosos, o presidente esperava que o STF “cagasse” para o destino ignorado do dinheiro usado em compra de votos, uma espécie de “Mensalão” turbinado. Ou “bolsolão”.

O deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição, por exemplo, afirmou que a revelação do “orçamento secreto” no Congresso é o episódio mais grave que já aconteceu no Legislativo.

“Eu considero esse orçamento paralelo ou secreto o que eu já vi de mais grave na minha experiência no Parlamento. Nunca vi um esquema nesse volume de recursos”. Alessandro Molon.

Antes da votação ter avançado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pediu a revogação da decisão da ministra. Ele se manifestou ao STF dizendo que a decisão da ministra seria “uma afronta ao princípio da separação de poderes”.

O presidente do Congresso, Arthur Lira (PP-AL), ao lado do presidente do STF, ministro Luis Fux

Arthur Lira, para constar, foi apenas coerente com sua retórica. Há duas semanas, por exemplo, ele já havia criticado em plena sessão do Plenário, o relatório da CPI da Pandemia do Senado.

“Para mim, é motivo de grande indignação como presidente da Câmara e como cidadão brasileiro tomar conhecimento das conclusões encaminhadas pelo relator da CPI da Covid do Senado Federal. É inaceitável, repito, inaceitável a proposta de indiciamento de deputados desta Casa no relatório daquela comissão parlamentar de inquérito”. Arthur Lira.

Ele foi além e afirmou que o relator da CPI, Renan Calheiros, teria errado ao equiparar parlamentares com pessoas comuns. Assim sendo, o que é uma ministra do STF suspendendo uma escancarada compra bilionária de votos, através de um “orçamento secreto”?

Emendas

As emendas são “propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato, tanto junto aos estados e municípios quanto a instituições”.

Na prática, elas costumam ser usadas para destinar dinheiro a obras e projetos nas bases eleitorais dos parlamentares, o que acaba aumentando o capital político deles.

Por isso que quem vota com os interesses do governo Bolsonaro, ganha mais verbas. Quem vota contra, não leva. Apresentadas ao STF em maio desse ano, as ações questionam a validade das emendas de relator, uma das ferramentas usadas por deputados e senadores para reverter parte do orçamento a suas bases políticas.

O instrumento, que leva o nome técnico de RP9, foi suspenso por Weber devido à falta de transparência, já que esse tipo de emenda não permite a identificação individual dos autores dos pedidos de aplicação de verba e o respectivo destino do dinheiro. Foi pela dificuldade em rastrear os gastos que o dispositivo ficou conhecido como orçamento secreto.