19 de abril de 2024Informação, independência e credibilidade
Política

Antes da Covaxin e propina por vacina, Lira rejeitava impeachment de Bolsonaro. E agora?

Há uma semana, presidente do Congresso criticava CPI e dizia faltar “circunstância política” para abrir processo contra o presidente do Brasil

Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), concedeu uma entrevista ao O Globo. Aliado de Jair Bolsonaro, o líder do Centrão demonstrava irritação com a CPI da Covid.

Defensor de primeira, Lira garantia que não houve atraso na compra de vacinas da Pfizer (apesar dos 9 meses de silêncio). E mesmo assim, ter comprado antes “não teria resolvido o problema da pandemia”. E por isso rejeitava qualquer instauração de processo de impeachment. Falta uma “circunstância política”, concluía Lira.

Corta para uma semana depois: os irmão Miranda abalavam estruturas do governo, ao denunciar que Bolsonaro prevaricou na negociação da Covaxin. A compra da vacina indiana (cancelada ontem) vinha com superfaturamento e recebimento financeiro em um paraíso fiscal, erros apontados por um servidor concursado.

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Seu irmão, o deputado Luís Miranda, levou a denúncia diretamente ao presidente, já que superiores no Ministério da Saúde eram os responsáveis por impor a compra da vacina, mesmo diante dos problemas de contrato. Foi quando Bolsonaro teria desabafado, dizendo que seria coisa de seu líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR).

Barros, Bolsonaro, Ciro Nogueira e Arthur Lira: o Centrão no comando

Barros é do mesmo partido de Lira. O deputado é um dos líderes do Centrão e é investigado há 3 anos, quando era ministro da Saúde no governo Michel Temer. E já disse que fica como líder do governo, apesar das claras denúncias de corrupção.

E nem teve tempo da denúncia ter sido jogada pra debaixo do tapete, que uma nova denúncia provoca mais estrago: a propina de 1 dólar por cada dose da AstraZeneca. O servidor apontado pelo pedido inusitado, que Bolsonaro queria dirigindo a Anvisa, já foi exonerado. Ou seja: não há como negar.

Vejamos o que Arthur Lira dizia uma semana atrás:

“A minha função no impeachment é de neutralidade. Não sou eu que faço o impeachment. Você quer dizer que o presidente Bolsonaro não tem voto na Câmara para segurar um pedido de impeachment? Que ele não tem base de apoio popular para se contrapor a um pedido de impeachment? Então, o que é que estão querendo? Que eu desorganize o país, que eu comece uma conflagração de 122 votos que querem contra 347 que não querem? Vocês querem testar? O que a população quer é testar? Acha que é o caminho? Vamos testar. O que eu estou dizendo é que o impeachment é feito com circunstâncias, com uma política fiscal desorganizada, uma política econômica troncha. O impeachment é político”. Arthur Lira, há uma semana

Desde então, em suas declarações, Lira disse que queria manter no Congresso a aprovação da Reforma Tributária, apesar de não haver nenhum clima para isso. O relator da mesma, inclusive, era o denunciante Luís Miranda. Que foi trocado sumariamente. Foi, inclusive, a última vez que ele usou o Twitter:

Pois bem, e agora? Finalmente há clima político para um pedido de impeachment? A reprovação recorde e acusações de corrupção na Covaxin e propina na AstraZeneca são suficientes para Arthur Lira encontrar uma “circunstância política”

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Superpedido

Mais robusto do que o esperado há algumas semanas, um superpedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro será apresentado hoje (30) à Câmara dos Deputados por partidos de oposição e desafetos do chefe do Executivo.

As suspeitas de irregularidades nas negociações da vacina Covaxin e a denúncia de suposta omissão do presidente ao ser avisado sobre o caso deram fôlego ao discurso da esquerda para tirar Bolsonaro do cargo.

Cerca de 120 pedidos de impeachment serão reunidos em um só, apontando 23 tipos de acusações. Mas ainda faltam votos para que ele prospere na Câmara. Um dia antes, ao receber a “notícia crime” contra Bolsonaro no caso Covaxin, ele já empurrou a questão para a esfera judicial:

“Se a CPI, com a notícia que tivemos hoje, decidiu judicializar uma denúncia contra o presidente da República, ela sai da esfera política e vai para esfera técnica e judicial. Agora é esperar o posicionamento do procurador-geral da República e a gente acatar o que o procurador decidir. A questão agora virou judicial”. Arthur Lira.

Réu

Líder do centrão e forte aliado de Bolsonaro, Lira assumiu a presidência da Câmara como réu no STF e fora da linha de sucessão de Bolsonaro e Mourão.

Precedente determinado pelo STF em 7 de dezembro de 2016 estabeleceu que réus em ações penais no STF podem até comandar uma das Casas do Congresso, mas não substituir o presidente e o vice, caso os dois se ausentem do território nacional.

Foto: Ana Oli

Na época, foram analisadas duas ações questionando os casos de Eduardo Cunha e Renan Calheiros, que presidiram a Câmara e o Senado naquele ano, e também eram réus.

Arthur Lira responde a oito investigações, sendo réu em inquérito no STF, acusado de receber R$ 106 mil de propina do então presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Francisco Colombo.

Ex-mulher

Já na mira de ações penais no STF (Supremo Tribunal Federal), ele também passa por uma acusação enviada à Vara de Violência Doméstica do Distrito Federal, apresentado pela sua ex- mulher, mãe de seus dois filhos, Jullyene Cristine Santos Lins, em agosto do ano passado, ao STF.

Na petição, anexada a um processo em que Jullyene acusa Lira de injúria e difamação, ela afirma que “o medo a segue 24 horas por dia, pois sabe bem o que Lira é capaz de fazer por dinheiro”. Por outro lado, Lira diz que, ao longo do tempo, as denúncias da ex-mulher “mostraram-se infundadas”.

Jullyene diz que o deputado, com quem foi casada por dez anos, faz insultos não só contra ela, “mas também tentando diuturnamente promover o afastamento familiar dos filhos, principalmente o mais novo, com discursos de ódio e chantagens emocionais”. Cita o “enquadramento do querelado na Lei Maria da Penha e necessidade de proteção urgente” para ela e o seu atual companheiro.

O processo foi aberto em decorrência de outra ação de violência doméstica movida por Jullyene contra Lira, em que o deputado foi absolvido nove anos depois. Em 2006, ela apresentou queixa por lesão corporal contra o então deputado estadual à Polícia Civil.