A simples e nada inédita eleição indireta para a escolha de governador e vice de Alagoas, realizada pelos deputados estaduais, se tornou uma novela jurídica. E repleta de trocas de farpas entre os líderes dos lados opostos nessa disputa: o presidente do Congresso, deputado Arthur Lira (PP), e o senador Renan Calheiros (MDB).
Com Alagoas sem governador desde que Renan Filho (MDB) se exonerou para disputar uma vaga no Senado, coube à Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) a tarefa de escolher o novo nome.
Mas como a maioria da Casa possui deputados filiados ao MDB, partido dos Calheiros, tudo indicava que o eleito seria Paulo Dantas (MBD), indicado pelos Renans para o posto tampão – e disputar a reeleição imediatamente em outubro.
Sabendo que enfrentar um governador em exercício seria mais problemático, o grupo de oposição, comandado por Arthur Lira, prontamente entrou na justiça para impedir a eleição indireta, que estava marcada para segunda-feira da semana passada.
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A longo prazo, a medida serve para que outro senador alagoano, Rodrigo Cunha (União Brasil), enfrente menos resistência em sua disputa nas eleições gerais, de outubro.
Ao lado deles, também está o prefeito de Maceió, JHC, do PSB, o primeiro partido a questionar na justiça o edital da Mesa-Diretora, disputa que chegou ao STF.
Ou seja: JHC e Lira tentam barrar a eleição indireta de Paulo Dantas por temer que, no comando da máquina administrativa, com a visibilidade e outras benesses que o cargo oferece, ele assuma o protagonismo da disputa em outubro.
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Aliados de Renan afirmam que a intenção de Lira e JHC era dar um golpe para manter o presidente do Tribunal de Justiça no comando do estado, como forma de fortalecer a candidatura de Rodrigo Cunha.
Confira um resumo do imbróglio jurídico:
- O PSB (partido de JHC, prefeito de Maceió, e aliado do senador Rodrigo Cunha, que disputada o cargo de governador em outubro) entrou com uma ação pedindo a suspenção da votação;
- Na quarta (27), a juíza Maria Ester Manso, da 18ª Vara Cível da Capital – Fazenda Estadual, atendeu o pedido e determinou a suspensão;
- Uma ação ação movida pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) pedia o fim dessa suspensão;
- Na sexta(29), o desembargador José Carlos Malta vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas no exercício da Presidência, manteve o pleito indireto, dizendo que a possível inconstitucionalidade do pleito seria decidida pelo Supremo Tribunal Federal;
- No sábado (30), o ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão de José Carlos Malta Marques;
- No domingo (1º), Luiz Fux, presidente do STF, suspendeu a votação e o relator, Gilmar Mendes, seguiu a decisão.
- Na segunda, enquanto Mendes analisava as informações entregues pela PGE e Mesa-Ditetora da ALE, União Brasil e MDB entrara com pedidos para serem Amicus Curiae e auxiliar o STF na decisão;
- Na quarta (4) o relator autorizou a entrada dos partidos MDB, União Brasil e PSDB como Amigos da Corte;
- Uma semana após a data original da eleição, Gilmar Mendes determinou cancelamento do edital e que a Mesa-Diretora realize novas inscrições, dessa vez com chapas;
- A ALE, prontamente, com novo edital marcou eleições para domingo (15), mas o PP, de novo, entrou na Justiça;
- Diante dos pedidos, Gilmar Mendes, pediu com urgência que o pleno do Supremo delibere, nesta sexta (13) sobre a Constitucionalidade da eleição.
E enquanto tudo isso acontece, estão Renan Calheiros e Arthur Lira por trás de tudo.
Com a eleição indireta travada pela justiça, Lira e Calheiros trocam acusações nas redes sociais. Lira acusou Calheiros, e seu “grupo calheirista”, de tentar impor um golpe no estado. Além disso, afirmou que o senador deveria pedir desculpa por “mais essa irregularidade que praticou”.
Renan Calheiros deveria pedir desculpa aos alagoanos por mais essa irregularidade que praticou. É improvável que o faça, pois está no seu DNA desrespeitar as instituiçoes e o povo. Vamos continuar vigilantes, buscando o que é correto e bom para Alagoas, pq esse é o nosso dever.
— Arthur Lira (@ArthurLira_) May 10, 2022
Renan não ficou calado e chamou o conterrâneo de “embrião do golpismo”:
Arthur Lira é o embrião do golpismo. Em mais uma chicana, depois da decisão do STF, com propósito único de procrastinar, o PP tenta adiar a eleição constitucional de Alagoas. Exatamente como planeja seu chefe Bolsonaro.
— Renan Calheiros (@renancalheiros) May 10, 2022
Houve tréplica: Lira questionou “até quando o Renan vai continuar querendo medir os outros pela sua régua?”, e afirmando que há outras “irregularidades praticadas pelo grupo calheirista”.
Vale constar que, antes das acusações de ontem, ambos já vem se acusando desde que a eleição passou a ser ameaçada:
A petição de Lira é litigância de má-fé, amadora e expõe irresponsavelmente o STF. A jurisprudência é farta. Trata-se de realização de eleição, mandamento da Constituição estadual, reproduzindo a Constituição Federal. Porque litiga Lira? Para cancelar a eleição.
— Renan Calheiros (@renancalheiros) May 2, 2022
O ex-governador, e filho de Renan, também já se posicionou. Com duras críticas aos processos jurídicos envolvendo a eleição para o mandato-tampão no governo do estado, ele põe toda a culpa Arthur Lira, presidente do Congresso e “coronel”:
“Ele se comporta como um coronel usando as armas que tem Lira lembra os coronéis que ganhavam eleições utilizando o Exército e a polícia. Judicializando a eleição indireta com interesses políticos, seu objetivo é impedir o exercício do que manda a Constituição, que é a eleição indireta após 30 dias de dupla vacância no governo”.
Dupla vacância
Para as eleições de 2020, o então vice-governador Luciano Barbosa deixou seu posto após ser eleito prefeito de Arapiraca. Neste ano, para cumprir as regras eleitorais, o governador Renan Filho também se afastou, dessa vez para disputar uma cadeira no Senado.
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Por causa disso, houve uma dupla vacância: sem governador e vice, os próximos na linha de sucessão precisariam assumir. Mas o presidente da ALE, Marcelo Victor (MDB), declinou, pois não poderia disputar sua reeleição como deputado em outubro.
O governador interino é o presidente do TJ-AL, Klever Loureiro – mas ele já está no cargo há mais tempo do que queria.