O presidente Jair Bolsonaro chamou ontem, o ministro do STF, Roberto Barroso, de ‘filho da puta’. E isso não é normal. Um presidente da República não deveria agir como um adolescente desbocado e hormonal, mas é o que está acontecendo.
Além das mentiras – afinal, ele diz há anos ter provas contra as urnas eletrônicas, mas nunca apresenta nada e apenas inventa mais lorotas – Jair parte também pro pessoal. O que não é menos importante, pois para o chefe do Executivo não é incomum atacar outras esferas do poder, em especial o Judiciário.
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E com a parcimônia de aliados em posições estratégicas, vai cometendo suas ações sem receio de sofrer consequências. Em muito porque Augusto Aras, o procurador-geral da República, e Arthur Lira, presidente do Congresso, passam a mão na cabeça de Jair e engavetam todas ações, denúncias e pedidos de Impeachment, indiscriminadamente.
Bolsonaro, por exemplo, chegou a afirmar que o TSE frauda as eleições, mas Aras nunca se manifestou sobre o tema tampouco comentou as ofensas de Bolsonaro a ministros do STF. E querendo porque quer o voto impresso, Jair conseguiu que Lira pautasse a PEC da mesma no Congresso, mesmo o assunto tendo sido derrotado na Comissão de Constituição e Justiça um dia antes.
O presidente, portanto, pode cometer o crime que quiser, fomentar a crise que der vontade e chamar quem quiser do que quiser sem ter medo das consequências. Pois em sua defesa (ou ausência de papel) estão Aras e Lira.
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Enquanto Bolsonaro joga gasolina em fogueira no STF, Câmara aproveita fumaça pra passar a boiada
Aras
Na quinta-feira (5), o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, cancelou uma reunião dos chefes dos Três Poderes que serviria para baixar a tensão na crise institucional. Segundo Fux, Bolsonaro não cumpre a própria palavra.
No lugar do presidente, Fux se encontrou no dia seguinte com o procurador-geral da República, que foi indicado à recondução no órgão por decisão do próprio Bolsonaro e aguarda sabatina e votação no Senado. O encontrou durou 50 minutos.
Aras e Fux soltaram notas para falar do encontro e, nos textos, não há menção aos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral nem às ofensas feitas a Barroso e Moraes.
A PGR se limitou a afirmar que as duas autoridades “renovaram o compromisso da manutenção de um diálogo permanente entre o Ministério Público e o Judiciário para aperfeiçoar o sistema de Justiça a serviço da democracia e da República”.
No Supremo há uma desconfiança em relação à postura de Aras. Isso porque, o PGR tem adotado uma posição alinhada a Bolsonaro desde o início da gestão e tem evitado atritos com o presidente.
E não é por falta de pressão que Aras precisa agir. Integrantes da cúpula da PGR não alinhados a Aras cobraram um posicionamento do chefe do MPF (Ministério Público Federal) sobre os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
Em carta divulgada na tarde desta sexta-feira, 29 dos 74 subprocuradores-gerais da República declararam que Aras não pode ser passivo diante das investidas do presidente e precisa defender o STF e o TSE.
E com a omissão da Procuradoria em relação à conduta de Bolsonaro, o TSE agiu sem provocação do Ministério Público, como ocorre geralmente, e abriu um inquérito para investigar o presidente por acusar, sem provas, o sistema eleitoral de fraude.
Além disso, a corte enviou uma notícia-crime ao Supremo por causa da live do dia 29 de julho em que o chefe do Executivo fez uma série de acusações falsas contra as urnas e, dois dias depois, Moraes decidiu incluir Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news.
Os dois movimentos ocorreram sem a participação de Aras.
Lira
Igualmente ausente, talvez até pior, pois se recusar a pautar os mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, o presidente do Congresso, Arthur Lira (PP-AL), diz que “seguirá cumprindo a Constituição”, mas em nenhum momento de sua declaração o alagoano defendeu os ministros do STF e do TSE das investidas de Bolsonaro.
“Repito, não contem comigo com qualquer movimento que rompa ou macule a independência e a harmonia entre os Poderes, ainda mais como chefe do Poder que mais representa a vontade do povo brasileiro”. Arthur Lira.
Se Bolsonaro é o “que mais representa a vontade do povo brasileiro”, está liberado então que mais cidadãos também possam fazer o mesmo? Questionar a democracia, atacar a constituição e, quem sabe, até mesmo chamar algumas autoridades de filho da puta sem sofrerem medo das consequências?
Ele, aliás, jura que democracia não está em risco e disse que seria importante e representativo deixar o plenário da Câmara se manifestar sobre o voto impresso. Lira, então, decidiu levar a PEC do voto impresso, derrotada em comissão especial da Câmara, ao plenário da Casa.
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Se é para o plenário se manifestar, que se manifeste aos pedidos de impeachment. Já é claro: a maioria da população já quer Bolsonaro fora da presidência e é uma minoria barulhenta que o apoia. E quando age em grandes números, é nas redes sociais.
Isso vindo do mesmo presidente do Congresso que vem aprovando como um trator reformas danosas e prejudiciais, que farão o brasileiro receber menos, pagar mais e perpetuar o poder de velhos caciques.
Tendo dito isso, pois perguntar não ofende: tal qual Bolsonaro, também podemos chamar alguns de filho da puta?