4 de maio de 2024Informação, independência e credibilidade
Brasil

Se você mora no Brasil e acha que sua vida vale alguma coisa, está sendo ingênuo

Destino inevitável é se tornar estatística, o leite a não ser derramado ou alguém sem direito ao luto, pois tudo é ‘frescura’ e ‘mimimi’

Então é 2021 e você mora no Brasil. Sendo este o caso, sinto muito, pois tudo indica que és um dos 211 milhões de brasileiros que foi atingido no olho do furacão sanitário-político-econômico, imposto por esta pandemia.

Vale lembrar: 210 milhões e diminuindo, já que há tanta gente morrendo que pela primeira vez em décadas o número de nascimentos foi superado pelo de mortes. Diariamente, batemos recordes de fatalidades e “a vida continua”.

Ao contrário do que prometiam, a covid-19 já levou pelo menos 345 mil brasileiros. Muita gente. Mais do que toda a população de Pelotas, Guarujá, Petrópolis ou outros municípios brasileiros.

É tanta gente, que já há em quem fale em porcentagem, em estatística. Afinal, o que é morrer “apenas” 0.16% do total, ainda mais se levarmos em conta o número de “curados”. Os rostos se perdem no meio da multidão. Tornaram-se “leite derramado” e que não valem mais o lamento. Diante disso tudo, aparentemente nada mais importa.

Minto. Há o que importe. A Economia, pelo menos no discurso, vem importando. O CNPJ já possui um status maior do que o de um CPF. O de “um”? Coloquemos 10 CPFs. Na verdade cem, ou mil deles. Pelo menos mais do que os 4 mil CPFs “cancelados” diariamente.

Há ainda o ingênuo, defensor de CNPJs, que chega para repetir o que ouviu milhares de vezes: vou morrer de fome então? Não, ser ruminante: elegemos gente para isso, para esses momentos de necessidade, para direcionar recursos (colocados lá por nós, de forma suada) para superar momentos de dificuldade como esse. Para auxiliar. Para evitar a morte.

Óbvio que o CNPJ importa. Isso nunca nem foi o ponto! Na verdade, não estão cansados de ver essa reprise insana de seguir insistindo na mesma tecla de “priorizar a economia pra cuidar da saúde depois”? Quem, que não seja bilionário ou esteja em uma escalada de poder, realmente ganharia com isso?

Falando no jogo de poder, como esquecer: político também importa. Seja jogando pela esquerda ou pela direita e mais ainda partindo pros extremos ou centrão, ele está em outro mundo, privilegiado, vivendo outras prioridades. Tanto que nem estaria lendo isso. Achar que dá pra empatizar com essa classe seria o mesmo que achar que iriam empatizar com seus votantes.

Seja no Executivo, Legislativo ou Judiciário: eles e seus familiares seguem com auxílios moradia, alimentação, educação, internet, terno… Um salário maior que 99% do restante dos brasileiros já não é o suficiente? É um tapa na cara de quem vai no mercado e se depara com alta nos preços do feijão, arroz, carne e óleo de cozinha. E com um chorado auxílio de R$ 150,00.

Mas é aquela história: não valemos anda. Ninguém vem valendo nada. Ter alguma reação diante dessa tragédia é na verdade uma afronta. Lamentar por morte de parentes, amigos, conhecidos ou mesmo um compatriota desconhecido é “frescura” ou “mimimi“. Ninguém vale nada. Ninguém.

Minto.

Há quem valha mais.

O “Mito”. O “Minto“.

O que desdenhou, o que falou em gripezinha, o que falou em menos de 800 mortes, o que gritou histeria, o que sabe mais que a OMS,o que receitou cloroquina, o que “não é coveiro”, o que quis esconder números, o que não comprou a porcaria das vacinas no segundo semestre de 2020, o que duvidou da “demanda“, o que ainda fala em tratamento precoce, o que não é especialista em porra nenhuma, o que duvidou das mortes, o que jogou a população contra prefeitos e governadores, o que fez campanha para verificar lotação em hospital, o que fez acabar oxigênio e medicamento em UTIs, o que riu do aumento de suicídios, o que tem um gado valente para proteger, o que quer cristão disposto a morrer para manter igrejas abertas com aglomeração, o que minimiza o luto, o que fez a analogia do leite derramado, o que reclamou de frescura e mimimi.

Minto, por favor: não se vacine. Nunca se vacine. Acredite em seu discurso. Siga na retórica de que ser infectado foi o melhor pro seu sistema imunológico. Por favor, não se vacine.

Siga com o povo. Mas nos hospitais, onde também precisam de sua presença. Vá sem máscara, pois é “coisa de viado“. Abrace e dê beijo hétero em um médico que receita tratamento precoce. Faça nebulização de hidroxicloroquina. Abuse de ivermectina. Enfie ozônio no rabo. Encare o vírus como homem, e não maricas.

Acredite nos seus ideais. Ignore todos os sinais. É só uma gripezinha. Essa falta de força no pulmão é passageira. Apesar de não ter problemas com superlotação hospitalar, se aproxime do povo. Seja um patriota. Dê o valor à sua vida o mesmo que a nossa vem valendo: nada. Faça parte do incremento estatístico. Seja um de nós.