Noticiar nesta pandemia vem se tornando frustrante e cansativo. Além da tragédia e corrupção (de sempre), há o negacionismo. Reforçar diariamente o óbvio (o vírus é grave, a ciência precisa ser ouvida) se tornou necessário porque muitos estão fixados em argumentos completamente conspiratórios, incompreensíveis e mentirosos.
Apesar do recorde no número de mortes, lotação em hospitais (mesmo com o aumento de 61% na oferta de leitos), falta de medicamentos e colapso até no mercado de caixões, com a primeira queda da expectativa de vida do brasileiro desde 1945 e até mesmo a população diminuindo de tamanho, há quem ainda teime contra a gravidade do vírus.
A covid-19 já matou 360 mil pessoas no Brasil e mais outras 3 mil a cada 24h, provocando uma tragédia sem tamanho. Com diversas ramificações, sejam sanitárias, econômicas ou políticas, a luz no fim do túnel vai ficando cada vez mais apagada à medida que as vacinas disponíveis tardam a chegar.
E apesar de toda essa tragédia imposta pelo vírus, claramente é possível encontrar um culpado por catalisar, por piorar a situação, o responsável pelo erro humano na ingerência, sabotagem e omissão.
Não, não é China, local do primeiro contágio. Nem do PT, que não governa o país há 5 anos. Ou de João Doria, que com um milhão de ressalvas, governa o estado que fabricou mais de 80% de nossas vacinas. Nem dos demais governadores e prefeitos, que estão tomando medidas que são necessárias hoje porque ontem (ano passado) alguém resolveu ignorar a gravidade da situação.
Não precisa nem florear: o culpado é Jair Bolsonaro.
O que desdenhou, o que falou em gripezinha, o que falou em menos de 800 mortes, o que gritou “histeria”, o que sabe mais que a OMS,o que receitou cloroquina, o que “não é coveiro”, o que quis esconder números, o que não comprou a porcaria das vacinas no segundo semestre de 2020, o que duvidou da “demanda“, o que ainda fala em tratamento precoce, o que não é especialista em nada, o que duvidou das mortes, o que jogou a população contra prefeitos e governadores, o que fez campanha para verificar lotação em hospital, o que fez acabar oxigênio e medicamento em UTIs, o que riu do aumento de suicídios, o que tem um gado valente para proteger, o que quer cristão disposto a morrer para manter igrejas abertas com aglomeração, o que minimiza o luto, o que fez a analogia do leite derramado, o que reclamou de frescura e mimimi.
Por ignorância, conveniência ou pura maldade, há gente demais fechada com o presidente Jair Bolsonaro, o maior nome, rosto e propagador de uma das piores seitas de que se tem história no Brasil: o bolsonarismo.
Bolsonarismo
O presidente Jair Bolsonaro, eleito democraticamente por quase 58 milhões de brasileiros, entrará na história como o maior erro político do Brasil. Antes da pandemia, a Economia já sofria. Assim como as questões ambientais, de saúde, educação e diplomáticas. Há momentos de puro esterco em seus primeiros meses de governo.
Entretanto, se ele quer perguntar o que é golden shower ou dar piti toda vez que encontram corrupção entre seus filhotes, isso é problema sexual dele. Politicamente, temos uma outra saga a contar: a prioridade aqui é tentar entender como diabos alguém tão neurótico, esquentado, cientificamente inválido e inclinado à conspiração conseguiu o apoio de tanta gente.
Se Bolsonaro é o maior erro político, não pode deixar de ser um dos mais aclamados presidentes da história. Não pela maioria real, de carne e osso. Gente de verdade em 2018 formou maioria contra ele (Haddad + votos em branco/nulo e ausentes). Perfil virtual no Twitter e Facebook também não conta. Mas aqueles 30% de sempre das pesquisas, esses sim, amam Bolsonaro.
Bolsonaro pode falar que vai matar. Bolsonaro pode falar palavrão pra caralho. Bolsonaro pode enriquecer sem ter relação com seu salário. Bolsonaro pode rir de estupro, homofobia, racismo e de suicídio. Bolsonaro pode tudo e seus apoiadores deixam. Engolem sem cuspir. Virou um dever cívico. Bolsonaro é uma entidade verde-amarela que salvará o Brasil da cor vermelha.
Mesmo que precise espalhar muito sangue no meio do caminho.
É difícil falar da atuação do presidente sem mirar sua política. Sua fantasia de governar “sem ideologia”, apesar da imposição de seus extremos, o bolsonarismo. E é em seus extremos que ele conseguiu simpatizantes.
Pessoas frustradas, que por um motivo ou outro não atingiram seu potencial e ficaram satisfeitas em ver alguém semelhante na presidência. É o povo se sentindo representado.
O problema é que essa representação, o fervor pelo bolsonarismo, tirou do armário o que vinha enrustido dentro de muita gente “de bem”, de muito “pai de família”. Ficaram escancarados o ódio, o olho no olho, o individualismo, a falta de empatia e a vitória da convicção cega diante dos fatos e evidências.
E se antes era possível ficar do lado de quem pesava negros em arrobas, esboçou um atentado terrorista (leia aqui sobre o relatório do Exército sobre Bolsonaro, o corno e muambeiro), minimizou o estupro, tentou legalizar a milícia (enquanto ganha muito com isso de forma ilegal), não seria muito forçado ficarem do lado também de quem fala em “frescura e mimimi” numa pandemia.
Carregaram caixões em protestos. Fizeram campanha contra vacinação, em nome de um medicamento que não funciona contra covid-19 e que com uso continuado pode ser letal. Estão agredindo ou matando pessoas que pediram o uso de máscaras. Que pessoa sensata consegue não só aceitar, como participar disso?
E isso não vem só da pessoa simples, do iletrado ou que não concluiu o ensino médio (como Olavo de Carvalho). Há médicos, que receitam o que não deviam, advogados e juristas que distorcem a lei, formadores de opinião que vomitam ódio e mentiras, gente que até pouco tempo parecia uma pessoa boa.
Desconhecidos, vizinhos, colegas, amigos, parentes distantes ou próximos. Rico, pobre, analfabeto ou pós graduado. Não importa classe social, idade ou sexo: iludidos pelos ideais do bolsonarismo e que abraçam com orgulho o genocídio.
Todo dia vem sendo uma batalha. Uma luta para não tentar só informar e noticiar, mas também tentar fazer abrir os olhos para o óbvio: tem muita gente sendo infectada, internada, morrendo, e ainda assim há quem ainda defenda o presidente, que siga bolsonarista.
E não é como se estivessem só ajudando a matar outras pessoas. É um risco de vida para o próprio seguidor do presidente. Ser bolsonarista é praticamente participar de um culto suicida.
Seita não é ficção
Em 1978, mais de 900 pessoas na cidade de Jonestown, Guiana, incluindo 304 crianças, morreram envenenadas por cianeto. O líder da seita, Jim Jones, dizia aos membros do Templo que a União Soviética não iria negociar após assassinatos de um congressista e de membros da imprensa.
O líder da seita, conseguiu convencer seus seguidores de que os inimigos iriam “atirar em alguns dos nossos bebês inocentes” e “torturar nossos filhos, torturar alguns dos nossos membros, torturar nossos idosos”. A saída foi beber suco de uva com cianeto e sedativos.
“Parem com essa histeria! Este não é o caminho para as pessoas que são socialistas ou comunistas morrer. Este não é jeito que nós vamos morrer. Devemos morrer com um pouco de dignidade.” Jim Jones, aos gritos, incentivando o envenenamento.
Em 27 de março de 1997, 39 seguidores da seita Heaven’s Gate morreram em um suicídio coletivo, no Rancho Santa Fe, Califórnia. Eles acreditavam que, de acordo com os ensinamentos de seu grupo, através de seus suicídios sair de “seus navios humanos” e suas almas poderiam ir em uma viagem a bordo de uma nave espacial.
A nave espacial estaria seguindo o cometa Hale-Bopp. Alguns homens do grupo chegaram a ser submetidos a castração voluntária, em preparação para a vida eles acreditavam que os aguardava após o suicídio.
E no Brasil, em 2021, mesmo diante de tudo o que aconteceu no mundo, ainda há quem engula a história de que a pandemia é um plano para tirar Bolsonaro do poder. Alguém que só tem relevância negativa no escopo mundial. E que defende como solução a nebulização ou ingestão de outros medicamentos que só estão piorando a situação.
Líder da seita
Como todo líder de uma seita que se preze, Bolsonaro deveria ser insano o suficiente para acreditar no que fala. Afinal, biblicamente, ele afirma que a verdade o libertará. Sendo este o caso, fica a dica para o presidente: nunca se vacine.
Jair Bolsonaro precisa acreditar em seu discurso. Ele afirma que já fez o melhor ao seu sistema imunológico ao ser infectado com o novo coronavírus. Portanto, não precisaria ser vacinado, como perguntaria um imbecil. Afinal, só “idiota” pediria pra comprar mais vacina, só se for na casa da mãe.
Mas ele diz para seu gado, para seus seguidores, que a vacina não é necessária. Ainda mais a “vachina”, usada em 80% dos casos no Brasil. Então ele precisa ouvir mais seus próprios conselhos. Fazer parte do povo, abraçar de vez o bolsonarismo.
Bolsonaro precisa seguir com o povo. Mas nos hospitais, onde também precisam de sua presença. E que vá sem máscara, pois é “coisa de viado“. Tem que abraçar e dar beijo hétero em médico que receita tratamento precoce. Fazer nebulização de hidroxicloroquina. Abusar de ivermectina. Enfiar ozônio no rabo. Encarar o vírus como homem, e não maricas.
Basta que ele acredite nos seus ideais e ignore todos os sinais. Afinal, é só uma gripezinha. Ele precisa ser um patriota. Dar o valor à sua vida o mesmo que a nossa vem valendo aos seus seguidores: nada.
Sugerir isso não é errado, pois ele fala com tanta convicção, parece estar tão certo disso (convenhamos, é literalmente o que ele vem sugerindo há mais de um ano) que não há outra alternativa que não o líder dos bolsonaristas encarar de perto e seu medo o vírus.
Tão certo quanto saber que se tem alguém para culpar nessa tragédia nacional, é Jair Bolsonaro, presidente da República, que infelizmente tem tirado a vida de muitos brasileiros.
Muito bom esse artigo. Esclarecedor sobre a gravidade da catástrofe que a seita bolsonarista está provocando